Uma juíza do Tribunal de Coimbra absolveu, quarta-feira, uma professora universitária acusada de maus-tratos a animais, por deixar uma gata por longos períodos na varanda de um quarto andar. O animal tinha sido resgatado, em 2020, por iniciativa do grupo Gatos Urbanos, a cujos membros a juíza chamou "alucinados".
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A absolvição da arguida já "era esperada" pelos membros do coletivo Gatos Urbanos, assumiu Cristina Leite, à saída da sala de audiências. "Desde o início do julgamento, era visível uma tendência [da juíza] para menorizar o caso", protestou a ativista, lamentando ter escutado, nesse sentido, "comparações absolutamente inadmissíveis", com "crianças a passar fome", ou até referências a casos de "aborto".
"Não desconsideramos as crianças, nem os que sofrem em guerra, por estarmos a defender animais", acrescentaria Cristina Leite na entrevista em vídeo transmitida pelo jornal digital "Notícias de Coimbra".
Questionada sobre o facto de as ativistas que intervieram neste caso terem sido acusadas de ser "alucinadas", Cristina Leite respondeu que isso foi "bastante desagradável da parte da dra. Juíza", mas garantiu que outras considerações "dessa ordem" tinham já sido feitas nas sessões anteriores do julgamento.
Ainda assim, Cristina Leite concedeu, com ironia e em defesa da causa do Gatos Urbanos: "Somos alucinados? Bom, ao longo da História humana houve muitos alucinados, uns que lutaram contra o fascismo, pelo voto das mulheres e por muitas outras coisas para as quais vocês não têm agora tempo para estar a ouvir", declarou aos jornalistas. "Se é nesse sentido que a senhora juíza se refere a alucinados, é bem-vindo".
"Dias e noites trancado na varanda"
Segundo o coletivo, "o animal estava dias e noites, de verão e de inverno, trancado na varanda". "Se isso é cuidar bem de um animal, a única resposta que eu quero dar é que viver é mais do que estar vivo", afirmou Cristina Leite. Em vídeos publicados pelo grupo de defesa animal, vê-se a gata no muro da varanda de um prédio, a vários andares de altura, ou no peitoril de uma janela ao lado da varanda, a miar.
O caso terá suscitado queixas. "O que os bombeiros e a policia fizeram a nosso pedido, após um ano de sinalizações e de queixas dos vizinhos perante a aflição daquele animal, foi corajoso. Tiraram o animal daquela situação, que se empoleirava constantemente na janela", afirmou Cristina Leite, contando havia um "evidente risco de queda". Acrescentou, aliás, que "o animal já tinha caído".
Depois de a gata ser resgatada, foi entregue a uma família de acolhimento, uma vez que o coletivo não recorre a gatis. Cerca de um mês depois, a dona da gata intervém no sentido de pedir a sua devolução, mas o coletivo foi bater à porta do Ministério Público, e acabou por ser deduzida a acusação por maus-tratos,
No julgamento, segundo a associação, a defesa "tentou demonstrar que não era verdade que a varanda estava fechada". "Há uma coisa que nós não fizemos à senhora juíza: nenhum de nós mentiu, nem o nosso advogado utilizou qualquer subterfúgio, enquanto, ao contrario, da outra parte, houve um conjunto de incongruências sobre "a gata ficou esquecida, foi inadvertido, estava a janela aberta, afinal não estava, foi de férias, afinal foi uma urgência de uma amiga, afinal era só de vez em quando, afinal era para trabalhar, foi por causa do covid, coisas assim".... Respeito pela Justiça é também não mentir à Justiça, nós saímos daqui de consciência tranquila"
Durante o julgamento, a juíza também defendeu que "há muitos animais a precisar de socorro maior", contou Cristina Leite, para dar conta da atividade do Gatos Urbanos: "Durante estes cinco anos, resgatámos dois mil e tal animais; apenas três não foram devolvidos aos seus donos; apenas um veio para tribunal".
Além de não dar como provado o crime de maus-tratos a animais, a magistrada judicial decidiu que o coletivo Gatos Urbanos deve devolver a gata a antiga dona. O advogado do coletivo vai analisar a sentença e ponderar um eventual recurso, adiantou Cristina Leite, entendendo que a antiga dona da gata não sentirá muita falta do animal, ao fim de quase quatro anos. "Nunca perguntaram pela gata. Nem sabem se está viva, se está morta", afirmou, antes de informar que "a gata está bem de saúde". "A gata é um doce, por isso é que lhe chamamos Cacau", sorriu Cristina Leite.