Juíza do TIC rejeita tese que arquivou caso Selminho no tribunal administrativo
Magistrada que mandou Rui Moreira para julgamento não crê que autarca tenha sido traído por desatenção. Novas provas sustentaram decisão diferente.
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O Tribunal de Instrução Criminal (TIC) do Porto decidiu na terça-feira que Rui Moreira vai ser julgado pelo crime de prevaricação. Em 2017, no mesmo caso, o Ministério Público do Tribunal Administrativo e Fiscal (MP/TAF) do Porto não encontrara matéria para intentar um processo.
Face ao processo-crime, a defesa do autarca reclamou que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pelos mesmos factos. Mas a juíza do TIC, ao pronunciar Moreira, rejeitou a contestação e, de caminho, pôs em causa o entendimento que ditara o arquivamento da ação administrativa.
Em junho de 2017, apesar de considerar indiscutível que o autarca interveio no processo quando estava legalmente impedido de o fazer, o MP afirmou que, dos factos apurados, não ficava suficientemente demonstrada a intenção dolosa e o grau de culpa do réu - requisitos exigidos pela lei da tutela administrativa para a perda de mandato.
O MP junto do TAF apontou ao autarca uma "intervenção menos avisada ou desatenta", mas concluiu que não havia sinais claros de proveito pessoal do visado, ou de terceiros, nem de prejuízos para a a Autarquia. Assim, "por manifesta falta de objeto", decidiu arquivar o processo administrativo, "sem prejuízo de ulterior reabertura, caso venham a surgir melhores elementos probatórios", avisou então.
Crimes com provas novas
A defesa de Moreira vem contestando a acusação criminal de dezembro de 2020, alegando que o TAF já se pronunciara sobre a mesma matéria. Mas a juíza de instrução Maria Antónia Ribeiro, que confirmou aquela acusação anteontem, explicou então que aqueles processos têm alcances diferentes, podendo a mesma conduta ser apreciada simultaneamente nos foros administrativo e penal.
Além disso, acrescentou a magistrada, as imputações criminais tiveram por base novos meios de prova, não carreados no processo administrativo. Por exemplo, a avaliação da Inspeção-Geral das Finanças, que serviu de base ao arquivamento administrativo, circunscreveu-se à questão do eventual impedimento legal, não abrangendo o conteúdo do compromisso arbitral entre a Autarquia e a empresa Selminho, da família de Moreira.
Por outro lado, ao contrário do que sucede na perda administrativa de mandato, para o crime de prevaricação "basta o elemento intencional", não é preciso concretizar o benefício. De qualquer modo, para a juíza, Rui Moreira, não só teve a intenção como, "com a sua intervenção no processo judicial, beneficiou a Selminho e ocultou tal atuação".
Para o MP e o TIC, o acordo judicial traduziu uma alteração de posição da Câmara, sem qualquer estudo ou documento que a suporte, que beneficiou a Selminho ao reconhecer-lhe capacidade construtiva no terreno, assumindo o compromisso de alterar o uso de solo na revisão do PDM ou a pagar uma indemnização a definir por tribunal arbitral. Além de reconhecer aquele direito, "a atuação do arguido permitiu retirar da esfera do tribunal judicial administrativo para o tribunal arbitral, sem fundamento para tal".
Ainda quanto à intencionalidade, o TIC refere que, pelo menos desde janeiro de 2014, Moreira sabia que estava impedido, mas não o declarou até junho, já depois de negociado o acordo, como demonstram vários emails.
"Demasiadas distrações"
"O comportamento menos atento e avisado do arguido [expressão referida pelo MP do TAF para desvalorizar a conduta de Moreira] não convence face ao historial de litígio entre o Município e a Selminho que o arguido não ignorava nem podia ignorar".
Além disso, elenca a juíza de instrução, não consta do processo administrativo de acompanhamento a procuração e a ata da audiência de janeiro de 2014, a declaração de impedimento não tem data... "São demasiadas coincidências, lapsos, distrações para vingar a imagem de que se quis passar de alguém pouco avisado ou atento", conclui.
Por tudo isto, a magistrada considerou estarem preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos do crime de prevaricação, sendo que face aos indícios apresentados "é solidamente previsível" que ao arguido venha a ser aplicada sanção penal.