O Tribunal de Penafiel absolveu um casal que foi acusado pelo Ministério Público (MP) do crime de lenocínio simples por gerir uma casa de alterne com quartos à disposição para a prática da prostituição.
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Eram divisões registadas como alojamento local (AL), na Lixa, Felgueiras, e as mulheres que levavam os clientes do bar para os quartos limitavam-se a pagar uma renda diária ao casal para usufruir das instalações. Os juízes entenderam que o casal até facilitava a prostituição mas não lucrava diretamente com os serviços sexuais, afastando assim a exploração das trabalhadoras do sexo. A decisão é inédita em Portugal.
"Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos". É o que diz a letra da lei e para um coletivo de juízes do Tribunal de Penafiel o artigo 169.º do Código Penal, que pune o crime de lenocínio simples, não se aplica quando se alugam quartos a mulheres que lá se prostituem e que conheceram os clientes num bar de alterne, situado no mesmo edifício, e gerido pelas mesmas pessoas. No cerne da questão está o facto de os gerentes não ganharem dinheiro com os atos sexuais, mas apenas com o aluguer dos quartos e com a venda de bebidas no bar.
O acórdão proferido esta semana e a que o JN teve acesso é claro. "De facto e de acordo com o que se colhe da factualidade provada e muito embora desta se possam extrair atos praticados pelos arguidos R.P. e S.P. de facilitação do exercício da prostituição por parte das mulheres que se encontravam lá alojadas e "alternavam" no bar, como seja o arrendamento dos quartos, a verdade é que ficou por apurar se, com tal comportamento, os arguidos tinham qualquer lucro direto com a atividade de prostituição desenvolvida ou se o faziam por razões profissionais".
Para chegar a essa conclusão, o Tribunal deu como provado que as mulheres aliciavam os clientes para consumirem bebidas alcoólicas no "Impetus Bar" e eram elas que depois convidavam os mesmos homens a manter relações sexuais a troco de dinheiro nos quartos do AL. Pagavam 40 euros por dia, independentemente de lá se prostituírem ou não.
Apanhados a fazer sexo
Foi em outubro de 2018 que as autoridades realizaram buscas no bar e nos quartos do alojamento. No estabelecimento, estavam 14 mulheres de diferentes nacionalidades e 11 clientes. Nos quartos foram surpreendidos dois casais em pleno ato sexual. Foram ainda encontrados dezenas de preservativos e um documento intitulado "A.L. Diário", com a identidade das mulheres que lá pernoitavam, assim como as respetivas quantias pagas, à frente desses nomes, atestando a liquidação do custo dos quartos.
Assim, os arguidos, defendidos pelos advogados Carlos Mendes Pinto e João Martins Leitão, foram absolvidos. Tal como também foram ilibados outros três arguidos que trabalhavam no bar e que até faziam os descontos para a Segurança Social.
Punir o lenocínio tem base constitucional
O Tribunal Constitucional (TC) considerou, no ano passado que é crime lucrar com o favorecimento da prostituição, apesar de, em 2020, ter dado como certa a inconstitucionalidade do crime de lenocínio. De forma inédita, em março de 2020, juízes conselheiros entenderam ser inconstitucional punir com penas de prisão o lenocínio simples. O espírito da decisão era não criminalizar quem fomenta a prostituição de pessoas que prestam serviços sexuais de livre vontade. Esta classificação englobava donos de imóveis que os arrendavam para a prostituição, mas também gerentes de bares de alterne. O Tribunal de Penafiel abordou essa questão, que ficou ultrapassada com a mais recente decisão do TC.
Pormenores
Depoimentos - As mulheres a quem o casal alugava os quartos garantiram que eram livres e que nunca receberam ordens para se prostituírem. Limitavam-se a pagar o aluguer do alojamento, onde podiam levar quem quisessem, como amigos ou namorados.
Pagamentos diretos - Os clientes que queriam manter relações sexuais com as mulheres pagavam-lhes diretamente o valor estipulado.
Segurança - Um dos funcionários do bar foi acusado do crime de exercício ilícito da atividade de segurança privada. Era o porteiro e controlava também o alojamento local.