Ministério Público acusou homem de importunar e aliciar sexualmente menina de 14 anos, mas tribunais de Oeiras e da Relação de Lisboa ilibaram-no.
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Através do Instagram, um homem de 33 anos entabulou conversa com uma rapariga e, sabendo que ela era menor (tinha 14 anos), pediu-lhe uma fotografia de corpo inteiro. O caso chegou ao conhecimento dos pais e da Justiça, tendo o homem sido acusado pelo Ministério Público (MP) de importunação sexual e aliciamento de menores. Mas, em julgamento no Tribunal de Oeiras e, há um mês, na Relação de Lisboa, o arguido foi absolvido dos crimes. Para os juízes, a mensagem em que aquele pediu a fotografia não teve conotação sexual.
O caso ocorreu em 2022. Pelas 7.50 horas, o homem, casado e com um filho, iniciou conversa com a menor na rede social, pediu-lhe o número de telefone e perguntou-lhe se os pais já tinham ido trabalhar. Quando ela lhe disse que estava sozinha em casa, o arguido quis saber se estava no quarto e pediu-lhe, várias vezes, uma foto. A menor enviou-lhe uma fotografia de rosto, tendo o arguido retorquido: “Manda mas uma foto de corpo inteiro (sic)”. Por receio, a criança bloqueou o contacto do arguido e telefonou logo aos pais.
Estratégia de abusador
O homem foi acusado pelo MP de importunação sexual e aliciamento de menores, mas seria absolvido pelo Tribunal de Oeiras. Inconformado, o MP recorreu para a Relação. Pediu uma pena de prisão de seis meses suspensa (ou, se assim não fosse, multa de 840 euros), defendendo que arguido entabulara conversa com vista à “formulação de propostas de teor sexual”.
“A conduta do arguido insere-se num dos vários fenómenos associados à violência sexual praticada contra crianças e jovens, o grooming online (ou aliciamento/assédio online), que se inicia, regra geral, através de uma abordagem não sexual, para incentivar a criança ou jovem a produzir e enviar conteúdos de natureza íntima”, justificou o MP.
No acórdão, a que o JN teve acesso, os juízes João Grilo Amaral, Alda Tomé Casimiro e Rui Coelho começam por salientar “o quão desapropriado” foi o comportamento do arguido. E admitem que “sempre ficará a dúvida” sobre o que se poderia seguir, caso a menor tivesse acedido ao pedido deste. No entanto, concluem, o que se retira das mensagens enviadas é “tão-só” o facto de o arguido ter solicitado o envio de uma fotografia de corpo inteiro à ofendida.
“Esta mensagem não contém nenhuma conotação sexual, nem implícita, nem explícita, pois não lhe tem associada qualquer elemento que imediatamente sugestione que pretende ter cariz sexual, dado não ter sido antecedida ou sucedida por outras mensagens que a possam caracterizar como tal”, sustentam os juízes, exemplificando que o arguido não pediu que a vítima estivesse nua ou que fotografasse alguma zona do corpo em concreto.
Menor sagaz
O Juízo Local Criminal de Oeiras tinha tido um entendimento semelhante. Considerou “desadequado” o comportamento do arguido, mas não deu como certo que este quisesse importunar ou aliciar a menor. “Não podemos negar que a conversa não pudesse encaminhar-se para esses propósitos, mas a sageza da menor em proteger-se e em terminar de imediato a conversa evitou que esta pudesse escalar para temas sexuais. Compreendemos também o seu incómodo, razão pela qual de imediato bloqueou o contacto, mas não cremos que tenha havido qualquer cariz sexual na troca de mensagens mantida, motivo pelo qual se impõe a absolvição do arguido”, concluiu.
Grooming: primeira abordagem não é sexual