Um modelo que foi mordido na cara por um cão de raça boerboel, num convívio em casa de um amigo, em Vila Nova de Gaia, reclamou aos donos do animal mais de 171 mil euros, mas o tribunal negou-lhe o direito a qualquer indemnização.
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A decisão foi proferida em primeira instância e acaba de ser confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, que concluiu que o lesado só foi atacado por ter invadido a “esfera privada do cão”.
O caso remonta a junho de 2019, quando a vítima, de 20 anos, foi a um convívio, com cerca de dez pessoas, na casa de um amigo. Pelas 4.30 horas, um dos donos da casa fechou as suas portas, que davam acesso ao jardim, e avisou pessoalmente os presentes para não saírem, uma vez que ia soltar o cão, por este ter estado todo o dia preso.
O lesado tentou uma primeira vez sair para o jardim, mas seria impedido por um dos presentes, que o avisou de que o cão estava solto. Mesmo assim, aquele ignorou o aviso e saiu para o exterior, por uma das portas da sala, que se encontrava fechada, sem que ninguém tivesse dado conta. Já no exterior, pôs as mãos na cabeça do cão, baixou-se e aproximou a cara do focinho, até ficar à altura do animal. Nesse momento, o cão, rosnou e mordeu-o na cara, tendo-lhe arrancado o nariz e causado ferimentos na bochecha direita.
O modelo regressou ao interior da casa com a cara ensanguentada. Seria transportado para o hospital, onde ficou internado durante sete dias.
Atirou culpa ao dono
Mais tarde, o lesado intentou uma ação, exigindo uma indemnização de 171 mil euros (121 mil por danos patrimoniais e 50 mil euros a título de danos não patrimoniais). Queria também que fossem pagos os custos futuros e expectáveis com cirurgias e tratamentos.
Nas suas alegações, o lesado afirmava que o cão, de raça potencialmente perigosa, “exigia especiais deveres de cuidado e vigilância” e que competia ao vigilante do animal o dever de se certificar de que este “não constituía um perigo para as pessoas que estavam dentro da propriedade”.
“O vigilante não agiu com a prudência de um homem normal, uma vez que este teria esperado mais um par de horas e soltaria o cão quando todos tivessem saído da casa ou teria levado o cão à rua para dar um passeio com ele ou, então, tê-lo-ia açaimado para o poder soltar”, argumentou, sem sucesso.
Atuação imprevidente
No acórdão, os juízes ilibam o dono do animal de “qualquer imprevidência, inconsideração ou negligência na guarda e vigilância do cão, pois o mesmo teve o cuidado de fechar as portas da casa e de a todos avisar para não saírem”.
“A interação do autor com o cão apenas teve lugar porque o autor, por sua iniciativa, desobedecendo aos avisos que lhe foram feitos, saiu sozinho para o jardim e foi com ele estabelecer contacto físico”, dizem os juízes, atribuindo ao modelo “uma autêntica invasão do espaço e até da ‘esfera privada’ do cão”. “Foi, pois, exclusivamente, um comportamento culposo do autor que esteve na origem do dano que o animal lhe veio a causar”, concluem.
Pormenores
Carreira arruinada
O jovem foi modelo, entre setembro de 2014 e até 2019, realizando trabalhos esporádicos. No verão de 2019, alegou no processo, iria dedicar-se, de forma exclusiva, a tal atividade. Mas, por força do ataque sofrido, nunca se profissionalizou.
Raça de guarda
A aquisição do cão de raça boerboel visava substituir um anterior cão de raça dogue canário, que morreu e tinha igualmente características de cão de guarda, embora fosse de um porte mais pequeno.