Mulher teve bebé morta durante formação e andou com cadáver no carro dez dias. Absolvida de homicídio, contestou despedimento.
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O caso chocou o país em 2012. Uma militar da Força Aérea, da Maia, ocultou a gravidez e escondeu o cadáver da bebé recém-nascida durante dez dias, na gaveta da camarata e no carro. Foi despedida e recorreu, exigindo ser reintegrada, mas o Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN) deu agora razão à Força Aérea, apesar de, no julgamento do crime, ter ficado provado que a morte da recém-nascida não resultou da omissão da gravidez e da falta de assistência médica durante a mesma e no parto.
A. K., na altura com 26 anos, frequentava um estágio de formação profissional do curso de sargentos que decorreu em três unidades militares - Montijo, Açores e Campo de Tiro de Alcochete. Durante este tempo esteve grávida e, mesmo depois de ser questionada por colegas e superiores sobre as mudanças que se tornaram evidentes no seu corpo, sempre negou, para não prejudicar a carreira. Justificava que tinha um problema de saúde e que já estava a ser acompanhada por médicos.
Em outubro do mesmo ano, no final do tempo normal de gestação - com no mínimo 37 semanas - entrou em trabalho de parto nas instalações militares. Sem dizer nada a ninguém, foi para a casa de banho, onde deu à luz sozinha. A bebé nasceu morta e a militar embrulhou-a num casaco camuflado, escondendo-a numa gaveta da camarata, que partilhava com outra colega. Depois de dez dias a esconder o corpo, tentou queimá-lo, mas foi denunciada e alvo de processos crime e disciplinar.
Na sequência do procedimento disciplinar, a Força Aérea despediu-a por considerar que violou o dever especial de lealdade, quando mentiu deliberadamente sobre a gravidez, e o dever de responsabilidade, porque mostrou desrespeito pela sua segurança, a da sua filha e de todos os outros colegas. A forma como tratou o cadáver, segundo a Força Aérea, foi uma violação da moral pública e uma falha no cumprimento do dever especial de correção, outro motivo para o seu despedimento.
Conduta não foi só pessoal
A. K. sempre alegou que a gravidez nunca a impediu de cumprir os deveres militares e a forma como lidou com o cadáver só diz respeito à lei penal, pelo que não havia razão para o despedimento.
O processo-crime foi julgado em 2015, no tribunal da Maia, onde residia a militar, que foi condenada pelo crime de profanação de cadáver, tendo sido absolvida do crime de homicídio qualificado, pois não se provou que a morte do recém-nascido fosse consequência da omissão da gravidez e da falta de assistência médica.
Com base nesta argumentação, a ex-militar tentou anular o despedimento no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que recusou fazê-lo. Recorreu então para o TCAN, que manteve a decisão, por considerar que a sua conduta não foi estritamente pessoal. Deu como provado que a permanência na Força Aérea era inviável e que os factos justificam a sanção disciplinar que lhe foi aplicada.
Condenada a dez meses por profanar cadáver
A. K. foi julgada por um tribunal coletivo em julho de 2015, na Maia, pelos crimes de homicídio qualificado, do qual foi absolvida, e de profanação de cadáver. Por este último, foi condenada a dez meses de prisão, pena que foi suspensa mediante o pagamento de dois mil euros à associação Ajuda de Mãe. Apesar de sempre ter dito que nunca contou a ninguém sobre a gravidez, durante o julgamento do processo-crime confessou ter revelado ao pai da criança. Este negou. Em tribunal não ficou provado que a morte da recém-nascida tenha sido consequência da omissão da gravidez e da falta de assistência médica. Também não se provou que A. K. quis matar a filha.
Pormenores
Pedia reintegração ou indemnização
No Tribunal Administrativo, a militar pedia que fosse declarada a "ilicitude do despedimento" e a condenação da Força Aérea "a proceder à sua reintegração no seu posto de trabalho ou, em alternativa, e caso venha a fazer essa opção, a pagar-lhe a indemnização correspondente, bem como os salários de tramitação".
Curso para entrar no quadro
A militar trabalhou na Força Aérea entre 2006 e 2013, onde ganhava 800 euros por mês. Quando tudo aconteceu, frequentava um curso de formação para ingresso no quadro permanente.