Juízes rejeitam queixa de advogado que entrou no tribunal para defender PJ e saiu arguido
Um advogado que entrou no Tribunal Central de Instrução Criminal para, no âmbito da Operação “Aquiles”, defender um inspetor da Polícia Judiciária (PJ) e um cabo da GNR acusados de tráfico de droga saiu do “Ticão” como arguido por associação criminosa.
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O processo contra Vítor Carreto seria arquivado, num despacho em que o procurador escreveu que havia indícios que o causídico tinha acolhido uma reunião entre o inspetor e traficantes colombianos. Frase que Carreto exigiu que fosse retirada do documento, mas que os tribunais portugueses mantiveram. Nesta quinta-feira, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) também entendeu que o direito à inocência do advogado não foi violado pelas palavras usadas pelo magistrado.
O acórdão agora conhecido deixou Vítor Carreto frustrado. “Fui colocado sob escuta durante anos, constituído arguido, impedido de defender os clientes, expulso do tribunal e, em 2017, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal arquivou o caso com uma suspeita caluniosa. É este o estado a que chegou o Estado português e o TEDH...”, crítica. Ao JN, Vítor Carreto refere que, com decisões semelhantes, “as perseguições e erros vão continuar para o pior cenário possível”.
Delator deu origem à investigação
Tudo começou em 6 de abril de 2016, dia em que a PJ levou a cabo uma operação pouco vista e que culminou com a detenção de dois dos seus elementos. Carlos Dias Santos e Ricardo Macedo, históricos do combate ao tráfico de droga, eram suspeitos de pertencer a um cartel internacional e o último dos dois polícias (que seria absolvido no final do julgamento) chamou Vítor Carreto para o defender. O cabo da GNR José Baltazar Silva, detido na mesma operação, também requisitou os seus serviços.
No dia seguinte, o advogado entrou no Tribunal Central de Instrução Criminal para participar nas diligências, mas rapidamente, e tal como a colega Ana Cotrim, seria constituído arguido e impedido de defender o inspetor da PJ e o cabo da GNR. Vítor Carreto ficou indiciado do crime de associação criminosa, depois de o ex-inspetor da PJ António Benvinda, denunciante que deu origem à investigação, ter relatado que o polícia Ricardo Macedo se tinha reunido com traficantes colombianos no seu escritório.
Em 25 de janeiro de 2017, quase um ano depois da realização da Operação “Aquiles”, Vítor Carreto prestou declarações, no Ministério Público (MP), sobre as acusações de que era alvo e, em 13 de abril, o inquérito que o envolvia foi arquivado. O procurador alegou que “havia todos os indícios de que a reunião se tinha realizado”, porém, concluiu que não havia prova para condenar o causídico.
Causídico exigia direito à inocência
Vítor Carreto não ficou satisfeito com o simples arquivamento e, em 8 de maio de 2017, requereu ao MP que retirasse do despacho final a expressão que indicava que a reunião entre Ricardo Macedo e os colombianos tinha ocorrido no seu escritório. A pretensão não foi aceite e, em 9 de fevereiro do ano seguinte, Carreto intentou uma ação de responsabilidade civil contra o Estado português no Tribunal de Lisboa, por violação do seu direito à presunção de inocência.
Um acórdão de 11 de maio de 2021 não lhe deu razão e o advogado queixou-se no TEDH. Sustentou, então, que frase no despacho que acabou com a investigação continuava a descrevê-lo como suspeito de ter cometido um crime.
No entanto, para os juízes europeus, “a declaração em causa não refletia a convicção de que o requerente era culpado da infração penal de assistência a uma associação criminosa”. “No caso em apreço, a expressão em causa descreve, no máximo, um “estado de suspeita” relativamente a uma reunião, o que não é contrário à presunção de inocência”, explicam os juízes.
Para o TEDH, “mesmo a utilização de uma linguagem infeliz pode não ser considerada contrária” à Convenção Europeia.