Decisões dos tribunais sobre o mandato a que se refere a condenação dividem juristas. Em causa está o caso Selminho.
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Pode ou não Rui Moreira, na eventualidade de uma recandidatura vitoriosa à Câmara Municipal do Porto (CMP) nas autárquicas deste ano, vir a perder o próximo mandato se, enquanto o exercer, for condenado por prevaricação no caso Selminho?
Para o advogado do autarca, Tiago Rodrigues Bastos, a resposta só pode ser não, mas, nos últimos anos, foram pelo menos dois os presidentes de câmara obrigados a abandonar o cargo em consequência de crimes praticados em mandatos anteriores. A questão, reconhecem vários juristas consultados pelo JN, não é consensual na jurisprudência.
O Tribunal de Instrução Criminal do Porto confirmou, na terça-feira, a ida a julgamento de Rui Moreira, por, em 2014, ter alegadamente favorecido uma imobiliária da sua família em detrimento da Autarquia. O edil - que, no mesmo dia, reiterou a sua inocência - e praticamente anunciou a sua intenção de se recandidatar, incorre numa pena que pode ir de dois a oito anos de prisão e na perda do mandato.
Em causa está o artigo 29.º da Lei dos Crimes de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos, que determina que a "condenação definitiva" por ilícitos como o de prevaricação "implica a perda do respetivo mandato". "O que eu retenho da lei é que o mandato que seria perdido seria sempre o mandato em que os factos se praticaram. Não pode ser de outra forma", defende ao JN Tiago Rodrigues Bastos. Em risco estaria, assim, o mandato de 2013 a 2017, o primeiro em que Rui Moreira presidiu, enquanto independente, à Câmara do Porto.
O advogado admite, nesse cenário hipotético, que pudesse estar ameaçada a elegibilidade do autarca para o atual mandato (2017-2021), ao abrigo da Lei da Tutela Administrativa, mas nunca para o que se iniciará este ano. "Quando existir uma decisão sobre esta matéria já não estaremos sequer no mandato subsequente [ao da alegada prática do crime]", sustenta.
Decisões divergem
Certo é que, nos últimos anos, nem sempre tem sido esse o entendimento dos tribunais criminais e administrativos, por força quer de uma ou da outra lei.
Em 2018, José Amarelinho viu-se forçado a abandonar a presidência do Município de Aljezur, por um crime de prevaricação cometido entre 1990 e 2008, quando era só vice-presidente. Em 2019, Luís Mourinha também teve de abdicar da liderança da Câmara de Estremoz, por um crime de prevaricação de 2010. Já Luís Correia deixou, devido a um processo em tribunal administrativo, de ser presidente da Autarquia de Castelo Branco em julho de 2020, por irregularidades datadas de 2014 a 2016. Nenhum, apurou o JN, suscitou a questão do mandato a que se aplica a sanção.
Confrontado com estas decisões, Tiago Rodrigues Bastos não escondeu a sua surpresa. "Se aconteceu, é estranho. Seria um castigo "não pelo que fizeste agora", mas "pelo que fizeste no passado castigo-te agora". No meu ponto de vista, seria até inconstitucional", comenta o advogado, invocando antes o caso de Valentim Loureiro. Em 2008, o então presidente da Câmara Municipal de Gondomar foi punido com a perda do mandato no processo "Apito Dourado" por atos cometidos em 2003, mas a pena não se aplicou ao mandato de 2009-2013, que o major exercia à data em que esta decisão transitou em julgado.
A tese de que a pena deveria, em geral, incidir sobre o mandato em que são praticados os atos ilegais é, de resto, defendida por vários outros juristas ouvidos pelo JN, sempre sem se identificarem e sem nunca referirem o caso de Rui Moreira. Estes temem, tendo em conta que, por norma, os processos-crime são mais demorados do que os mandatos, que o referido artigo 29.o se possa tornar, na prática, inútil.
Perda de mandato é automática
A condenação de um autarca pelo crime de prevaricação ou qualquer outro previsto na Lei dos Crimes de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos implica automaticamente a perda do mandato. Este entendimento foi validado pelo Tribunal Constitucional (TC), apesar de ter sido já contestado por vários autarcas. Os opositores da perda automática do mandato têm alegado que tal atenta contra a manutenção dos direitos fundamentais dos arguidos, mas, segundo se lê em acórdãos do TC, a sanção está "historicamente ligada, de forma indissolúvel, ao próprio conceito de responsabilidade" política. Na prática, os juízes veem a perda de mandato como "inerente" à condenação por um crime no exercício de funções. O TC tem ainda determinado que a punição dos arguidos com penas de prisão suspensas não os livra de serem destituídos do cargo para que foram eleitos.
Prevaricação
Rui Moreira está acusado de um crime de prevaricação, em aparente concurso com um de abuso de poder. Pode vir a ser condenado a entre dois a oito anos de prisão e à sanção acessória de perda de mandato.
Sanção "previsível"
Segundo a decisão instrutória da juíza Maria Antónia Ribeiro, é "solidamente previsível" que Moreira venha a ser condenado e lhe venha a ser aplicada uma sanção penal.
Moreira desvaloriza
O presidente da Câmara do Porto já antecipou que, caso venha ser condenado, na sua opinião, a sanção acessória de perda de mandato não terá qualquer consequência prática. E por isso tal não pesará na sua decisão de recandidatar ou não. Em entrevista à SIC Notícias, Rui Moreira defendeu que nada aconteceria porque seria condenado por um crime supostamente cometido num mandato já terminado.
Sair pela porta de trás
O presidente do PSD garantiu que se estivesse na posição de Rui Moreira não se candidataria pois, segundo a juíza de instrução, é "altamente provável" que o autarca venha a ser condenado. Como tal, "corre o risco de, a meio do mandato, pela primeira vez na história da cidade do Porto, um presidente ter de sair não pela porta da frente, mas pela porta de trás, com um tribunal a dizer "perdeste o mandato, rua porque cometeste um crime". É muito mau para Porto", afirmou Rui Rio.
Perder mandato a meio
O candidato do PSD ao Porto considerou que Rui Moreira não tem condições de assumir que cumprirá integralmente o seu mandato pois existe a "fortíssima possibilidade" do autarca, "caso se venha a recandidatar, perder o mandato a meio, ou seja, de não poder assumir na plenitude o seu compromisso perante os portuenses, ou seja, de não poder assumir o Porto por inteiro".