Projeto-piloto em Braga junta magistrados e polícias. Nos primeiros cinco meses do ano foram afastados dos campos de futebol mais infratores do que em mais de uma década de vigência da lei respetiva.
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O projeto-piloto de prevenção e combate aos fenómenos de violência nos espetáculos desportivos que está em curso na comarca de Braga já aplicou a adeptos violentos 71 medidas de interdição de acesso a estádios desde que entrou em funcionamento, em setembro do ano passado e até à semana passada. Nos primeiros cinco meses deste ano, a iniciativa inédita que resulta da parceria entre a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a PSP já afastou mais adeptos dos recintos desportivos do que em mais de uma década de vigência da lei correspondente, no distrito de Braga.
Os dados divulgados pela PGR ao JN mostram, assim, que os tribunais da comarca de Braga já aplicaram "71 medidas de interdição de acesso a recinto desportivo, nas suas diferentes modalidades, correspondendo 67 a injunções no âmbito da Suspensão Provisória do Processo e quatro medidas de coação".
As sanções aplicadas no âmbito de suspensão provisória de processo implicam a proibição de entrada em estádios durante um período de um ano e o pagamento de uma verba a uma instituição de solidariedade social. Durante a interdição, os adeptos têm de se deslocar à esquadra da PSP ou posto da GNR da sua área de residência sempre que jogar o clube ao qual são afetos, em casa ou fora. Se as condições forem cumpridas, o Ministério Público arquiva o processo, não podendo ser reaberto.
Mais 18 arguidos
O número de adeptos expulsos de estádios no Minho no âmbito do projeto-piloto pode vir a aumentar em breve, uma vez que há mais 18 adeptos arguidos em vários processos com diferentes acusações deduzidas nas quais o Ministério Público requereu a aplicação da pena acessória de interdição de acesso a recintos desportivos.
Segundo a PGR, o projeto-piloto da comarca de Braga criou "redes de cooperação entre o Ministério Público e os diferentes órgãos de polícia criminal", nomeadamente PSP e GNR, mais a Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto, que "será oficialmente incluída neste projeto, ainda durante a fase da experiência piloto". Quatro juízes fazem também parte da equipa.
Entre as inovações do projeto está o acompanhamento presencial dos eventos desportivos, dentro e fora dos estádios, por oito magistrados e oficiais da PSP, atentos a insultos, agressões, cânticos racistas e arremesso de tochas, entre outras infrações à lei.
No primeiro balanço, feito há cinco meses, o diretor nacional da PSP, Magina da Silva, já tinha declarado que a interdição de acesso ia ser uma prioridade do projeto piloto. "É necessário dar onde lhes dói mais, pois é o pior castigo que se pode aplicar a um aficionado do desporto", afirmou o responsável.
Pandemia condicionou alargamento
Em fevereiro deste ano, a PGR anunciou que o projeto-piloto que está em curso na comarca de Braga iria ser alargado a todo o país. Contudo, a calendarização do alargamento ainda não está definida por causa da covid-19. Ao JN, a PGR esclareceu que já se encontra "consensualizado o alargamento gradual a nível nacional deste projeto de combate à violência no desporto, não sendo possível indicar a respetiva calendarização considerando as contingências decorrentes da pandemia".
A PGR recorda que a pandemia também fez com que "tivesse sido decretada a proibição da presença de público na realização dos eventos desportivos", o que deixa antever que a implementação do projeto noutras comarcas terá mais sucesso quando o público regressar aos estádios.
A importância do alargamento prende-se com o facto de a mediatização dos episódios de adeptos expulsos no Minho (ver casos ao lado) poder passar para a opinião pública a ideia de que os adeptos da região são mais violentos que os do resto do país, quando isso pode não corresponder à realidade. Recentemente, a claque White Angels, do Vitória de Guimarães, emitiu mesmo um comunicado onde denuncia que "o caso Marega só serviu para que os intuitos do projeto-piloto e de quem procura fama à custa do mesmo, ganhasse argumentos". Segundo a claque, o projeto "não serve o combate à violência no futebol, apesar de estes o afirmarem".
O projeto
Veem jogos na Polícia
A obrigatoriedade de comparência na esquadra da área de residência durante os jogos é cumprida mesmo durante o período de pandemia, em que os estádios não têm público.
Juízes e MP
Os oito elementos da equipa de magistrados que compõem o projeto de Braga são quatro juízes e quatro procuradores, entre eles o procurador Armando Marinho de Sousa, pai do tenista vimaranense João Sousa.
Braga e Guimarães
A esmagadora maioria dos adeptos que estão proibidos de entrar em recinto desportivo são do Sporting Clube de Braga e do Vitória Sport Clube de Guimarães.
Casos
Quatro afastados por insultos a Marega
O abandono do Estádio D. Afonso Henriques protagonizado pelo jogador do F.C. Porto Moussa Marega, a 16 de fevereiro deste ano, foi observado "in loco" pelos magistrados do projeto-piloto. A investigação ainda está em curso, mas já há quatro arguidos, um deles por insultos racistas no Twitter e que aceitou a suspensão provisória do processo, com proibição de ir ao estádio. Os outros três aguardam despacho do Ministério Público (MP), com a mesma medida de coação. Neste caso, estão indiciados por um crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência por, segundo o MP, imitarem o guinchar de um macaco na direção do avançado do Porto. Os arguidos alegam que estavam a chamar "burro" ao jogador, o que não configuraria um insulto de cariz racista.
52 detidos do S.C. Braga em cena de pancadaria
A 18 de fevereiro de 2018, dezenas de adeptos do S.C. Braga e do V. Guimarães envolveram-se em confrontos junto ao Estádio D. Afonso Henriques, antes do jogo entre as duas equipas. A PSP anunciou a detenção de 52 adeptos, em flagrante delito, a maioria do S. C. Braga, mas só 13 foram recentemente acusados por participação em rixa e aguardam julgamento. Os restantes aceitaram a suspensão provisória do processo mediante proibição de acesso a estádios durante um ano. Na rixa houve arremesso de pedras, garrafas, mesas e cadeiras das esplanadas e daí resultaram oito feridos, dois dos quais, um de cada clube, foram parar ao hospital.
Maestro vitoriano responde por agressão
Luís Barroso, animador da claque White Angels, do Vitória de Guimarães, aguarda julgamento com a medida de coação de interdição de acesso a recintos desportivos por, alegadamente, ter participado numa rixa que acabou com um adepto do Standard Liège ferido, em novembro passado, na véspera de um jogo para a Liga Europa. Barroso está acusado de um crime de ofensa à integridade física, mas podem existir incongruências na versão do Ministério Público. Por um lado, é atribuído a Barroso o papel de líder dos White Angels, quando o registo oficial da claque não o indica como tal. Depois, a acusação refere que o agressor foi "um dos elementos" do grupo onde estaria o animador, mas não o aponta como autor concreto.