Justiça trava despedimento de grávida que meteu baixa e foi de férias para o Brasil
CITE, Tribunal do Trabalho e Tribunal da Relação dizem que não há justa causa para despedir educadora de infância do Colégio Alemão do Porto.
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O Colégio Alemão do Porto queria despedir uma educadora de infância que, apesar de estar de baixa médica por uma gravidez de risco, foi de férias para o Brasil e revelou-o em imagens da viagem publicadas numa rede social. Mas a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) deu parecer desfavorável e o Juízo do Trabalho, primeiro, e o Tribunal da Relação, agora, concluíram que não havia justa causa para a demissão.
No final de janeiro de 2022, foi diagnosticada à trabalhadora uma gravidez de risco, sendo-lhe recomendado repouso absoluto. Apesar disso, entre 9 e 18 de abril, período da Páscoa, a grávida viajou para o Brasil, partilhando fotografias da estadia no Instagram, onde era seguida por 495 pessoas, entre funcionários e pais de alunos do Colégio.
A instituição de ensino – que não respondeu às perguntas do JN – não gostou e, em junho de 2022, instaurou um processo disciplinar à educadora, com vista ao seu despedimento. Argumentou que a ausência da funcionária, que ali trabalhava desde 2016, obrigara à redistribuição dos alunos, a que os pais reagiram negativamente. Alegou ainda que a sua substituição era difícil, por ser exigido o domínio da língua alemã, e que a trabalhadora não a informara da viagem, nem participado no regime de rotatividade das férias da Páscoa.
Médica alertou para risco
O caso foi submetido à CITE, que deu parecer desfavorável ao possível despedimento, por não encontrar fundamento “suficiente” para o concretizar. Por se tratar de uma grávida, e como o parecer foi negativo, o despedimento só podia ser efetuado após decisão judicial que reconhecesse um motivo justificativo.
No entanto, o Tribunal do Trabalho do Porto rejeitou a pretensão do colégio, considerando que a gravidez de risco foi clinicamente fundamentada e o atestado não era fraudulento. Segundo a sentença, a médica obstetra que acompanhava a paciente disse que esta a informou da “necessidade de se deslocar ao Brasil”. Em resposta, a médica informou-a “do risco que corria e dos cuidados que tinha de ter”. A mulher tinha feito uma cesariana, na gravidez anterior, e agora estava aconselhada a não pegar em pesos, a não fazer outros esforços e a não andar de carro em estrada de paralelos.
Sobre a viagem ao Brasil, o tribunal referiu que, embora se pudessem levantar dúvidas sobre o cumprimento do regime de permanência em casa (só estava autorizada a sair entre as 11 e 15 horas e entre as 18 e 21 horas), isso não configurava, por si só, violação dos deveres laborais, dado o contrato estar suspenso. Além disso, a trabalhadora não ocultou a viagem, partilhando fotografias publicamente.
Inconformado, o Colégio Alemão recorreu, mas a Relação confirmou a sentença. Os desembargadores Nélson Fernandes, Rui Penha e António Luís Carvalhão concluem que a viagem não representou um comportamento suficientemente grave que comprometa o vínculo laboral. E os impactos organizacionais invocados pelo colégio não são imputáveis à educadora, dizem os juízes, considerando que era o colégio que tinha de se organizar para lidar com ausências previsíveis.
Citando a sentença inicial, a Relação diz que condenar a trabalhadora por estar de baixa por gravidez de risco seria discriminatório e contrário à legislação nacional e europeia. “Não estamos perante um caso que se possa fundar a justa causa de despedimento, pois que, ponderados os interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes, entendemos também não ser de concluir pela premência da desvinculação”, concluíram.
CITE diz que demissão de gestantes é “assunto jurídico muito estabilizado”
Contactada pelo JN, a presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), Carla Tavares, explica que, perante três decisões no mesmo sentido (a da CITE e as de dois tribunais – de primeira e segunda instâncias), a última decisão, da Relação do Porto, “é praticamente irrecorrível”, pelo que “a entidade empregadora não poderá despedir”. Ainda assim, admite, há duas opções de recurso: “para o Tribunal Constitucional, se durante o processo a entidade empregadora tiver levantado alguma questão de inconstitucionalidade, ou para o Supremo Tribunal de Justiça, caso venha a ser entendido que preenche os requisitos essenciais para ter que ser reavaliado (como, por exemplo, o elevado interesse social, o que, sinceramente, não me parece que seja possível, pois é um assunto juridicamente muito estabilizado.)”.
Saber mais
Emissão alargada
A 1 de março de 2024, as baixas médicas passaram a ser também emitidas pelas urgências do SNS e pelos setores social e privado, dispensando a ida ao médico de família para esse efeito.
Fiscalização
Desde 1 de abril de 2024 que a fiscalização das baixas pode ocorrer a partir do quarto dia (antes era 30 dias depois).
Pago a 100%
O subsídio por risco clínico durante a gravidez (100% da remuneração de referência) é atribuído à trabalhadora para substituir o rendimento de trabalho perdido, em caso de risco clínico para a grávida e/ou criança que vai nascer.