Libertado e em fuga angariador de imigrantes ilegais com passaportes diplomáticos falsos
Passaportes diplomáticos falsos de São Tomé e Príncipe, com um preço mínimo de 2500 euros no mercado negro, permitiram que em menos de um ano, pelo menos, 20 cidadãos africanos entrassem ilegalmente em Portugal. O esquema era liderado por um guineense, que se apresentava no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, com o cargo diplomático de primeiro-secretário do Governo de São Tomé e Príncipe e emprestava aos clientes roupas e malas luxuosas para que estes atravessassem a fronteira aparentando ser médicos ou políticos abastados.
Corpo do artigo
Apesar de não ter residência em Portugal e usar um passaporte falso, o angariador foi libertado pelo tribunal e o seu paradeiro é desconhecido das autoridades. Também três dos quatro imigrantes ilegais detetados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) na última viagem desapareceram após terem pedido asilo.
O homem, com 52 anos, integra uma rede de imigração ilegal e faz do crime modo de vida. Começa por angariar cidadãos em Angola, Guiné Bissau, Cabo Verde, Senegal, Marrocos e Gana à procura de melhores condições de vida e monta todo o esquema que lhes permite entrar na Europa. Um dos primeiros passos é a falsificação de passaportes diplomáticos de São Tomé e Príncipe com os dados biográficos dos imigrantes, a quem fornece roupa europeia e até bagagem luxuosa para que ninguém suspeite da sua proveniência nos controlos alfandegários. Em seguida, junta entre três a cinco pessoas no aeroporto de uma capital africana e acompanha-as na viagem até Lisboa.
No Aeroporto Humberto Delgado, o guineense caminha à frente do grupo e apresenta-se às autoridades com o cargo diplomático de primeiro-secretário do Governo de São Tomé e Príncipe e chefe da comitiva. Os passaportes diplomáticos das pessoas bem vestidas, mas sempre em silêncio, corroboram a história e permitem que todos abandonem o aeroporto sem problemas.
Diplomata de São Tomé era guineense procurado por furtos
Após deixar os imigrantes em Lisboa, o angariador recolhe os passaportes falsos e permanece na cidade dois a três dias antes de regressar a Luanda, Cidade da Praia, Dacar, Casablanca ou Acra. A partir de uma dessas cidades africanas repete todo o esquema e as autoridades suspeitam que, no último ano, tenha introduzido em Portugal, pelo menos, 20 imigrantes ilegais. Todos usaram os mesmos passaportes, com recurso apenas à falsificação da página que ostenta os dados biográficos.
A utilização contínua de documentos diplomáticos de São Tomé e Príncipe levantou suspeitas e quando, noite de 4 para 5 de abril, um novo grupo liderado pelo guineense chegou ao Aeroporto Humberto Delgado os alertas foram acionados e um perito do SEF rapidamente foi ao encontro da comitiva que, desta vez, alegava estar em Lisboa em missão de serviço, na qualidade de médicos, para participar numa conferência inexistente. A análise profunda comprovou que os passaportes diplomáticos eram falsos e que os são-tomenses eram, na verdade, dois homens e duas mulheres, com cerca de 30 anos, oriundos da Guiné Bissau, Cabo Verde e Senegal.
Também se descobriu que o angariador não era um funcionário diplomático do Governo de São Tomé, mas antes um guineense procurado pela Polícia portuguesa por furtar computadores, material eletrónico, perfumes e outro material caro nas lojas do aeroporto lisboeta, mas também nos centros comerciais Colombo e Vasco da Gama.
Todos fugiram e estão em paradeiro desconhecido
O homem foi, então, levado ao tribunal e, apesar de utilizar um passaporte falso e de não ter morada portuguesa, foi libertado com a obrigatoriedade de se apresentar duas vezes por semana numa esquadra da PSP, entregar o passaporte e permanecer no país. Medidas de coação que não cumpriu, o que faz com que as autoridades desconheçam o seu paradeiro e suspeitem que este já tenha fugido para um destino europeu ou africano.
Em fuga estão também três dos quatro imigrantes detidos a tentar entrar ilegalmente em Portugal. Impedidos de entrar no país, um casal guineense e um cabo-verdiano requereram asilo enquanto estavam em curso as diligências processuais administrativas tendentes a afastá-los para os países de origem. Foram, posteriormente, transferidos para instalações do Conselho Português para os Refugiados, mas, como beneficiavam de regime aberto, abandonaram os abrigos sem deixar rasto e as autoridades não sabem se continuam em Portugal ou rumaram a outro país europeu.
Pormenores
Em silêncio
Os imigrantes ilegais detidos na última viagem mantiveram-se em silêncio durante o interrogatório. Antes da partida para Lisboa, o angariador convenceu-os a não falar com as autoridades em caso de serem apanhados pelo SEF com a promessa de que voltaria a ajudá-los a entrar em Portugal.
Passaporte a 2500 euros
O SEF recolheu provas de que os imigrantes ilegais pagaram avultadas quantias para entrarem em Portugal, mas nenhum dos detidos revelou a quantia cobrada pela rede. No entanto, o preço de um passaporte de São Tomé, no mercado negro, está avaliado em, pelo menos, mil euros e, no caso dos passaportes diplomáticos o valor sobe para os 2500 euros, no mínimo. Por isso, os imigrantes nunca pagaram menos do que este montante.
Bem-falante e bem vestido
O angariador é descrito como bem-falante e com a atitude típica de um diplomata. A sua postura nunca levantou suspeitas nos controlos alfandegários do Aeroporto Humberto Delgado, até porque os passaportes apresentados ostentavam uma falsificação de qualidade superior. Suspeita-se até que o papel utilizado nos documentos seja o mesmo que o usado nos passaportes legais.
Morou na Bélgica em 2006
O guineense que integra a rede de imigração ilegal não tem uma identificação verdadeira, conhecida das autoridades portugueses, há uma década. E a última morada na Europa data de 2006, na Bélgica onde vivem a mulher e os filhos. A sua base de trabalho é a Guiné Bissau.
Situação regularizada
Alguns dos imigrantes ilegais que entraram em Portugal com passaportes diplomáticos de São Tomé e Príncipe falsos já conseguiram regularizar a sua estadia no país. Outros já solicitaram autorização de residência e esperam pela conclusão do processo.