Alfredo Marques Carvalho, presidente da "Paz no Coração", atualmente em prisão preventiva, vai responder por 60 crimes sexuais.
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Acolhia vítimas de violência doméstica, atiradas para a rua com os filhos, ou mulheres sem-abrigo, em situação de extrema pobreza. Prometia-lhes um albergue em nome da solidariedade, que chegou a apregoar em vários programas de televisão. Mas Alfredo Carvalho tinha outra faceta. De acordo com o Ministério Público (MP), violava ou coagia sexualmente as mulheres indefesas, na sede da Associação "Paz no Coração", onde vivia, em Lisboa. Se não aceitavam serem as suas "escravas", eram ameaçadas com despejo. O medo de voltar a dormir na rua com filhos menores, levou várias delas a manter o silêncio e a submeterem-se ao agressor. Entretanto detido pela Polícia Judiciária de Lisboa, Alfredo Carvalho, 54 anos, está aguardar o julgamento, que começa em setembro, em prisão preventiva.
De acordo com a acusação do MP, uma das quatro vítimas, de origem africana, tinha acabado de chegar a Portugal, em setembro de 2018. Em Angola, onde tinha cinco filhos, era vítima de violência doméstica por parte do marido e procurou Portugal para fugir do inferno e ter uma vida melhor. Com duas filhas menores, procurou a Associação "Paz no Coração" para obter um quarto. Com o apoio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ficou a pagar 400 euros de renda a Alfredo.
Logo no primeiro dia, o arguido abordou a vítima para lhe dizer que "estava à procura de uma mulher". Levou uma nega, mas, nos dias seguintes, continuou a coagir a mulher. Dizia-lhe que precisava de manter relações sexuais e, caso não aceitasse, punha-a na rua a ela, e também as filhas.
Alfredo Carvalho passou a ir ao quarto da vítima todos os dias. Submissa pelo medo, foi violada diariamente durante cerca de dois meses, sempre sob a ameaça de despejo.
Escrava das limpezas
A acusação garante ainda que a vítima também passou a ser escrava da casa, com o arguido a forçá-la a efetuar a limpeza das áreas comuns da Associação. Tinha por exemplo de limpar a cozinha e as casas de banho e, mais uma vez, seria despejada com as filhas caso recusasse.
Uma das filhas da mulher, então com quatro anos, foi agredida pelo fundador da "Paz no Coração", apenas porque a criança estaria a fazer barulho. Perante a agressão, a mulher ganhou coragem e abandonou a casa.
Outra mulher, também vítima de violência doméstica, passou a residir na associação em agosto de 2020. Recebia apenas 180 euros de rendimento social, mas tinha de pagar 300 de renda em dinheiro vivo. Logo no primeiro dia, foi coagida a manter relações e sofreu abusos, mas rebateu sempre os avanços do arguido. Foi então ameaçada: "Se não quiseres tens de abandonar a casa", explica o MP. Depois de vários episódios, abandonou a associação.
Defesa
Alegar problemas de impotência para se livrar das acusações
No primeiro interrogatório judicial a que foi submetido após a sua detenção, em novembro do ano passado, Alfredo Carvalho, natural de Mangualde, alegou padecer de disfunção erétil. Queria com isso garantir às autoridades ser impossível ter violado as mulheres. Vai tarde, durante o inquérito, voltou a alegar sofrer de impotência sexual, mas o Ministério Público (MP) sublinhou a inexistência de elementos clínicos, exames ou perícia que atestasse da impossibilidade em manter relações sexuais. Considerando os fortes elementos probatórios recolhidos durante a investigação da brigada de luta contra crimes sexuais da PJ de Lisboa, o MP até considerou ser inócua a realização de exames de urologia, pedidos pelo arguido.
Pormenores
Ex-sem-abrigo
Alfredo Carvalho é um antigo sem-abrigo que conseguiu apoios para criar a Associação "Paz no Coração" e obter um edifício destinado à instalar a sede, mas também quartos para albergar pessoas indefesas.
Falsa denúncia
O arguido também está acusado de denúncia caluniosa. Acusou o companheiro de uma mulher acolhida pela associação de violência doméstica, apenas para se tentar vingar da vítima que recusou ter relações sexuais.
Filme pornográfico
Alfredo Carvalho terá forçado uma vítima a visualizar um filme pornográfico na associação.