PS e PSD acordaram texto alternativo à proposta do Governo, para tentar salvar pacote contra a corrupção antes da dissolução do Parlamento.
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A dissolução da Assembleia da República nas próximas semanas matou, para já, uma das bandeiras do Governo na Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-24: a possibilidade de os arguidos acordarem com o tribunal e o Ministério Público, mediante confissão integral antes do julgamento, a pena máxima a que podem ser condenados.
A medida, considerada pelos conselhos superiores da Magistratura e do Ministério Público uma "alteração substancial no paradigma do processo penal português", não consta do texto acordado entre PS e PSD para tentar aprovar em tempo recorde, no Parlamento, o pacote anticorrupção.
O diploma é discutido na quarta-feira na Comissão dos Assuntos Constitucionais e mantém, em contrapartida, o alargamento da dispensa de pena para suspeitos que quebrem antes do julgamento o pacto de silêncio característico da corrupção.
O consenso entre os dois maiores grupos parlamentares começou a formar-se no plenário do último dia 2. A socialista Cláudia Santos anunciou então que o PS admitia "prescindir" dos acordos sobre sentenças para que fosse possível, no que resta da legislatura, salvar "o essencial da estratégia anticorrupção". Mónica Quintela, do PSD, saudou a decisão. "Para nós, era uma linha vermelha", sublinhou a também advogada.
Políticos visados
Aprovada em Conselho de Ministros a 29 de abril deste ano, a proposta de lei deu entrada na Assembleia da República seis dias depois. A 25 de junho, foi discutida em plenário, mas acabou por descer à Comissão dos Assuntos Constitucionais sem ser votada, para uma apreciação mais detalhada.
À data, o acordo sobre sentença e a dispensa de pena foram das questões mais criticadas pelos deputados, com o fantasma da "delação premiada" a pairar sobre o debate. Cláudia Santos admitiu, na ocasião, que seriam "necessárias cautelas" e, no texto agora acordado entre PS e PSD, deixa de ser preciso os arguidos contribuírem para a "prova da responsabilidade" de terceiros para beneficiarem, já no decorrer do julgamento, de uma atenuação de pena.
A redação corresponde ao projeto de lei dos sociais-democratas, que conseguiram ainda incluir, no texto final, o agravamento em um quarto da pena aplicável, em certos crimes, a titulares de cargos políticos. Os dois partidos chegaram também a acordo para que quem comete crimes em funções possa ser impedido, pelo tribunal, de exercer qualquer cargo político até dez anos após o cumprimento da pena. A punição poderá ser aplicada em caso de condenação a mais de três anos de prisão ou de dispensa de pena por recebimento ou oferta de vantagem ou corrupção.
Entre as novidades, está também a proibição de juízes que pratiquem qualquer ato durante a fase de inquérito liderarem a instrução do processo. A proposta do Governo previa que tal acontecesse somente se os magistrados decretassem uma medida de coação.
O Conselho Superior da Magistratura já alertou a Comissão que tal pode, por existirem comarcas com um só juiz de instrução, atrasar os processos. O texto pode ainda ser alterado.
Outras medidas
Contas falsas punidas
O diploma acordado entre PS e PSD prevê que gerentes ou administradores de sociedades comerciais possam ser punidos com até três anos de prisão ou multa por apresentarem, para apreciação ou deliberação, contas adulteradas. Tratar-se-á de um novo crime.
Juízes-funcionários
Se o diploma vier a ser aprovado nos termos atuais, juízes, procuradores, e membros dos conselhos superiores do setor da Justiça passarão a ser equiparados a funcionários, para efeitos penais. A medida pode ter implicações na pena aplicável em caso de qualquer condenação.
Megaprocessos
O risco de os prazos da instrução (uma fase facultativa entre a acusação e o julgamento) serem ultrapassados poderá ser invocado para que o tribunal separe, por sua iniciativa ou a pedido de uma das partes, os chamados megaprocessos.