Inês Sanches, mãe da menina que foi brutalmente assassinada em Setúbal e que está detida por nada ter feito para a salvar, diz em tribunal que entregou a filha à família que a matou por causa da dívida de droga que o seu ex companheiro, pai de Jéssica, tinha.
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Inês começou a falar aos juízes do Tribunal num tom choroso. "Entreguei a menina três vezes, porque eles ameaçavam-me para pagar a dívida do pai, de droga".
O juiz quis perceber porque ela estava a ser ameaçada por uma dívida de outra pessoa. "Não dizia que não tinha nada a ver com essa dívida? O que a Jéssica tinha a ver com isto?", questionou o juiz. "Eu disse que não tinha nada a ver com aquilo, mas não me largavam e, se eu não entregasse a Jéssica, matavam a minha família e os meus filhos", respondeu Inês.
Segundo a mãe de Jéssica, as ameaças eram dirigidas também aos seus outros filhos. Mas nada terá sido feito para os proteger, por exemplo, avisando quem tomava conta deles. "Então, se não avisou, não tinha as ameaças como certas?", indagou o juiz. Inês não respondeu, o juiz continuou: "Então, se estava a ser ameaçada por causa da dívida de droga, que foi paga depois de muitas ameaças, porque foi outra vez às mesmas pessoas procurar serviços de bruxaria?". "Não sei", disse Inês.
O juiz põe outra questão essencial. "A senhora passa à frente de polícias, duas, PJ e GNR, e decide entregar a filha em vez de pedir ajuda. Queria perceber porquê". Inês, em poucas palavras, invocou medo. "Eu nunca pensava que eles iam fazer mal à minha filha. A primeira vez que a entreguei foi para brincar com a filha da Esmeralda". "Por outro lado, tinha medo que matassem a sua família", questionou o magistrado, prosseguindo: "Nós queremos perceber o que aconteceu com a Jéssica, temos que encontrar a verdade e apelo a que a senhora nos ajude a fazer justiça à sua filha e não pode ser com salpicos de verdade aqui e ali".
O juiz perguntou como estava a menina no dia em que Inês a foi visitar, na véspera da morte. Segundo a acusação, Jéssica estava com convulsões e já em agonia. Inês Sanches respondeu que queria salvar a menina e que, naquele dia, véspera da morte, Cristina contou-lhe que aquela tinha caído de uma cadeira e estava a enrolar a língua.
"Ligaram-me a pedir 40 euros para irem à farmácia buscar betadine para a menina porque caiu da cadeira. Fui ter com eles à pressa porque queria salvar a minha filha, bati com muita força à porta, queria vê-la", contou Inês. "Vi a menina no colo da Cristina, disse-lhe para pôr uma colher debaixo da boca, mas o Justo não me deixou aproximar. Pedi para ver a minha filha e disse-me para pagar o que devia, 500 euros, e depois via a minha filha. Entreguei os 40 euros e correram comigo fora de casa, porque estavam a vender droga", acrescentou Inês.
A investigação aponta para um comportamento completamente diferente: que esteve com a menina, que Cristina lhe disse para ir à cozinha para buscar uma colher para impedir a menina de enrolar a língua e que saiu de casa e foi para o karaoke.
O juiz quis saber porque não foi à PJ ou GNR quando saiu da casa de Tita, Justo e Esmeralda, tendo nessa altura visto que a menina estava em convulsões. "Eu estava muito transtornada, estava com medo que matassem a menina, eu estou muito arrependida de não ter pedido ajuda. Ainda tenho medo que façam mal aos meus filhos e já descobriram onde a minha mãe mora. Tem sempre uma carrinha à porta". Inês foi confrontada com uma fotografia que tinha no telemóvel, que mostrava a menina com sinais de violência. "Não mostrou isso à GNR ou PJ porquê?", questionou. A resposta provocou um burburinho na sala. "Eu mostrei a uma amiga do café, ela conhecia polícias, podia ter feito alguma coisa".
O juiz quis perceber o trajeto de Inês depois de passar pela PJ e GNR. "A senhora vai para casa e faz o quê". Inês responde que ficou a ver televisão.
As declarações de Inês levam o juiz a insistir no pedido para que não entre em contradições. "De que cor é esta agenda? É azul e se disser que é branca acredita?". Inês não teve resposta.
Inês deitou a filha depois de a ver "com os olhos negros e toda manchada"
No dia em que foi buscar Jéssica, Inês diz que foi perseguida e ameaçada por Cristina e Esmeralda até chegar a casa. "A menina estava numa manta, com óculos escuros e quando cheguei a casa deitei a menina, tirei os óculos e vi que estava com os olhos negros e toda manchada", disse Inês. Deixou a menina a dormir, logo de manhã, e só voltou ao quarto à tarde.
"Porque não foi logo ao hospital?", perguntou o juiz. "Não me deu na cabeça ir ao hospital, sei lá, fiz o almoço para mim, para o Paulo e para a senhora Alice, não fiz para a menina porque estava a dormir", respondeu.
O juiz quis saber porque não contou ao Paulo, o seu namorado, com quem partilhava a casa e que estava deitado quando a menina chegou. "O Paulo não viu a menina, só quando ele ligou o 112 é que eu lhe disse que a menina tinha estado numa ama e que caiu da cadeira". Questionada perante o juiz, não soube explicar porque não contou ao companheiro.
Progenitora não explica porque não tentou acordar a criança
A segunda vez que a menina esteve com Justo, Esmeralda e Cristina, foi agredida e regressou a casa com um lábio inchado e olho negro. Na terceira vez esteve cinco dias, acabando por falecer.
O juiz também lembrou que "o perito [da Medicina Legal que autopsiou o corpo de Jéssica] explicou que tinha um alargamento do ânus, que podia ser de origem patológica e, a acontecer um trauma, não podia ter sido nos cinco dias antes. A que se deveu?". Inês garantiu que a menina nunca tinha tido problemas no ânus e que só estava assim depois de a ter ido buscar aos homicidas.
Depois da questão do ânus, o juiz Pedro Godinho insistiu sobre os acontecimentos do dia em que Inês foi buscar Jéssica. "A polícia é a linha da frente na segurança. Por que é que a senhora tinha mais medo por si do que algo que nem sabe explicar e não foi procurar ajuda, nem fez qualquer esforço para a acordar?". Inês responde com um "não sei".