
Mafioso italiano pode cumprir pena mais curta em Portugal
Jorge Amaral/Global Imagens
Francesco Pelle foi capturado em Lisboa, mas a lei pode travar extradição, porque está condenado a pena perpétua em Itália.
O mafioso italiano Francesco Pelle, detido em março, quando estava internado no Hospital São José (Lisboa) com covid-19, já foi transferido para uma cadeia da capital. E é atrás das grades que aguarda decisão sobre o seu processo de extradição.
Porém, não é um dado adquirido que este membro destacado da "Ndranghetta", apontada hoje como a mais poderosa organização mafiosa de Itália, seja entregue por Portugal às autoridades transalpinas, que emitiram o mandado de detenção europeu que justificou a sua detenção.
É que, em 2017, Francesco Pelle foi condenado a pena de prisão perpétua, que o Supremo Tribunal de Itália confirmou em 2019. E a lei portuguesa sobre cooperação judiciária internacional estipula que a extradição seja recusada se o crime cometido pelo detido "for punível com pena de morte", "pena de prisão ou medida de segurança com caráter perpétuo", no país requerente. Mas, não sendo possível a extradição, a mesma lei permite que o detido cumpra pena em Portugal, sendo certo que, neste caso, Francesco Pelle poderá beneficiar de a pena máxima, no nosso país, ser de 25 anos de prisão.
Como fugiu e quem o ajudou?
Foi em julho de 2019, semanas antes de o Supremo confirmar a pena perpétua, que Pelle fugiu de Milão. Durante meses, escapou às autoridades italianas, que, declarou recentemente o procurador de Reggio Calabria, "estiveram perto de o capturar em várias ocasiões".
A detenção de Pelle, que tem a alcunha de "Ciccio Pakistan", aconteceu em março deste ano, após o mafioso, de 43 anos, apanhar a covid-19 e ser internado, em estado grave, no Hospital São José.A sua presença em Lisboa tinha sido descoberta por polícias de uma unidade especial dos Carabinieri que integram o projeto I-CAN, criado no âmbito da Interpol para combater, especificamente, a poderosa e perigosa "Ndranghetta. A delicada operação contou com inspetores da Unidade Nacional de Contraterrorismo da Polícia Judiciária, encarregues da guarda e transferência do detido para a cadeia lisboeta.
Ao JN, a Judiciária confirmou que Pelle "se encontra atualmente a aguardar decisão", no processo de extradição, e mantém-se em "situação preventiva, em estabelecimento prisional, na sequência de medida de coação aplicada pelo Tribunal da Relação de Lisboa".
Mas, em Itália, o procurador Giovanni Bombardieri já avisou que a recaptura de "Ciccio Pakistan", apresentado como "um fugitivo altamente perigoso", não encerra o caso. "As investigações continuam, para compreender como conseguiu escapar e por quem foi ajudado nestes dois anos", frisou.
Tais investigações, que podem continuar com Pelle numa prisão portuguesa, caso seja acionada a norma legal que impede a extradição para países com pena perpétua, contarão sempre com a colaboração do Gabinete Nacional Sirene (Supplementary Information Required at the National Entries), responsável pela ligação com os restantes estados-membros do Acordo de Schengen.
Sucessão de atentados deixou Pelle paraplégico
Uma guerra entre dois clãs da "Ndranghetta - o Pelle-Vottari e o Nirta-Strangio - deixou Francesco Pelle preso a uma cadeira de rodas. O mafioso foi baleado nas costas em 2006, quando, no dia de aniversário do filho, estava na varanda de casa com o rapaz ao colo. O atentado foi executado por membros da família Nirta-Strangio e, na véspera de Natal desse ano, Francesco Pelle vingou-se ao tentar assassinar o líder do grupo rival, Giovanni Luca-Nirta. Este escapou com vida, mas a sua esposa morreu. Em retaliação, seis elementos da família Pelle-Vottari foram mortos a tiro, em agosto de 2007, à porta de um restaurante de Duisburgo, na Alemanha. Giovanni Strangio, primo de Maria, foi um dos dois autores do massacre. O mafioso detido em Lisboa foi considerado, depois de detido em 2008, o instigador do atentado que matou Maria Strangio e condenado a prisão perpétua. O recurso apresentado para o Supremo Tribunal italiano permitiu que, em 2018, fosse libertado e, no ano seguinte, fugisse para Portugal.
Investigado em Portugal
O Ministério Público e a PJ investigaram, por mais de quatro anos, suspeitas de associação criminosa e branqueamento em negócios imobiliários e na restauração, em várias cidades portuguesas, que envolviam membros do clã de Francesco Pelle. O caso foi arquivado.
Combate internacional
O projeto I-CAN começou no ano passado, estende-se até 2023, foi fundado pelo Departamento de Segurança Pública italiano e envolve 16 países, coordenados pela Interpol, no combate à "Ndrangheta. Esta é descrita como "uma das mais poderosas organizações criminosas do Mundo".
