Cento e nove crimes são, em média, apagados diariamente, de forma definitiva, do registo criminal, por se ter esgotado o prazo legal para constarem do cadastro individual.
Corpo do artigo
Alguns desaparecem logo após a conclusão de uma pena acessória - como a proibição de conduzir, por exemplo -, outros, como os ilícitos sexuais, apenas 25 anos depois de a pena ser extinta.
Duarte Fonseca, diretor-executivo da Associação de Proteção e Apoio ao Condenado (APAC), compreende que, nalguns casos, a inscrição dos crimes seja necessária, mas fala numa "dupla pena" resultante do "estigma" que se segue à permanência atrás das grades e se nota, sobretudo, na procura de emprego. Na maioria das situações, só quem não voltar a ser condenado beneficia do cancelamento definitivo previsto na lei.
De acordo com dados disponibilizados ao JN pelo Ministério da Justiça, em quatro anos (2015-2018) foram 159 423 os crimes que desapareceram do registo individual, 99% dos quais da ficha de pessoas singulares. O ano menos generoso para os condenados foi 2015, quando cessou a vigência de 24 445 infrações, menos de metade das canceladas no ano seguinte: 50 295. Já em 2017 e 2018 foram apagados, respetivamente, 40 141 e 44 542 crimes. Feitas as contas, dá uma média de 109 ilícitos a desaparecer diariamente do cadastro.
Prazos " longos"
O cancelamento é automático e ocorre, na maioria dos casos, entre cinco e dez anos a contar da extinção da pena (ler ficha), mas, para Duarte Fonseca, estão em causa prazos demasiado "longos".
"Uma pessoa que tenha cumprido dez ou 15 anos [de prisão] e, ao fim de cinco, está integrada a trabalhar, já tem experiência, mas continua com a conotação", exemplifica ao JN o diretor-executivo da APAC, acrescentando que há condenados que chegam a abortar o processo de recrutamento ao aperceberem-se de que têm de entregar o certificado do registo criminal.
"Aqueles que aspiram a um cargo maior na vida não conseguem. Trabalhos ligados a hotéis, ao turismo, já não conseguem. Quando se sai da logística de armazém e das obras, é difícil", garante, sem deixar de assinalar que há empresas que não excluem pessoas cadastradas. Ressalva, igualmente, que não contesta a importância de conhecer os antecedentes criminais, nomeadamente do foro sexual, de quem efetua, por exemplo, o transporte escolar.
Duarte Fonseca defende, por isso, que deveria ser possível pedir certificados do registo dos ilícitos diretamente relacionados com a profissão que se quer exercer - uma hipótese que, na maioria dos casos, a lei não contempla.
Foi, de resto, "para efeitos profissionais" que um homem condenado por violência doméstica requereu recentemente que a condenação não fosse transcrita para o seu certificado, uma possibilidade igualmente prevista na lei. A ação foi, contudo, rejeitada pelo Tribunal da Relação de Lisboa (ler texto na página ao lado).
Pormenores
Cinco anos para a maioria - Penas de menos de cinco anos são apagadas cinco anos após a sua extinção, tal como as multas principais, para pessoas singulares, e as de menos de 600 dias, para coletivas. Penas substitutas da principal, suspensas, admoestações e dispensas de pena obedecem ao mesmo prazo.
Mais tempo em penas longas - Penas intermédias - entre cinco e oito anos de prisão no geral e multas principais de 600 a 900 dias para pessoas coletivas - desaparecem após sete anos a contar do seu fim. Já as superiores a oito anos de cadeia e a 900 dias de multa são canceladas ao fim de 10 anos. O mesmo prazo se aplica à dissolução de pessoas coletivas, após trânsito em julgado. Na generalidade dos casos não pode ter existido nova condenação por qualquer crime.
Crimes sexuais com regime especial - Os crimes de coação sexual, violação, abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, abuso sexual de pessoa internada, fraude sexual, procriação artificial não consentida, lenocínio e importunação sexual desaparecem 25 anos após a extinção da pena. A exceção decorre da Lei de Proteção de Menores.
Penas acessórias mais rápidas - Nas penas acessórias, o crime desaparece logo após o decurso do prazo da punição ou a decisão de reabilitação do visado. Mas, se a pena principal for superior, é a partir desta que se contabiliza o momento para a decisão ser apagada.