O Tribunal Criminal de Lisboa condenou, esta sexta-feira, o ativista antirracista Mamadou Ba a uma multa de 2400 euros por ter, em 2020, escrito que o militante neonazi Mário Machado foi "uma das figuras principais do assassinato", em 1995, do jovem negro Alcindo Monteiro, no Bairro Alto, em Lisboa.
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Em causa, explicitara o arguido no julgamento, está uma publicação nas redes sociais, em junho de 2020, em reação ao facto de João Martins, que cumpriu pena pelo homicídio de Alcindo Monteiro, ter organizado uma iniciativa "a lembrar os seus feitos" em Lisboa a "escassos 10 metros" do "descerramento de uma placa" em homenagem ao jovem de ascendência cabo-verdiano morto, por ser negro, 25 anos antes.
Mário Machado, hoje com 46 anos, participou nas agressões do mesmo grupo alargado a outras pessoas na mesma noite, mas, em tribunal, não foi condenado pelo homicídio de Alcindo Monteiro.
Esta sexta-feira, a juíza Joana Ferrer não contestou a generalidade da publicação feita por Mamadou Ba nas redes sociais, mas considerou que "foi ultrapassada uma linha vermelha" na referência a Mário Machado.
"Não constitui a formulação de uma simples opinião. Traduz a imputação de um facto", justificou a magistrada, precisando que, para o cidadão "médio", o ativista antirracista, de 49 anos, "chamou assassino" ao ofendido.
Durante o julgamento, Mamadou Ba e várias testemunhas por si arroladas tinham defendido que o acórdão referente ao caso de Alcindo Monteiro estabelecera a natureza "grupal" dos factos ocorridos no Bairro Alto, na madrugada de 10 para 11 de junho de 1995. "Mário Machado não assassinou Alcindo Monteiro e o mais elevado tribunal deste país, o Supremo Tribunal de Justiça, absolveu-o desse crime", insistiu, esta sexta-feira, Joana Ferrer.
A juíza desvalorizou ainda a alegação da defesa que, atendendo aos crimes já praticados, o militante de extrema-direita não tem honra a ser defendida. "Já cumpriu a pena a que foi condenado. [...] Já pagou a sua dívida com a sociedade", sustentou.
Arguido vai recorrer
À saída do tribunal, a advogada de Mamadou Ba, Isabel Duarte, anunciou que vai recorrer da decisão e admitiu, caso o Tribunal da Relação de Lisboa não "modifique" a sentença do Tribunal Local de Lisboa, levar o caso ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
Atualmente a residir no Canadá, o ativista antirracista assistiu à leitura da sentença por videoconferência, tendo, através de uma declaração escrita lida para sua mandatária, considerado que este processo foi "uma tentativa de silenciamento do antirracismo".
"O Estado, através da instituição judicial, escolheu acolher os algozes e abandonar as vítimas da violência racial. Quando o Estado deixou que as suas instituições fossem capturadas pela extrema-direita, a consequência é que a Justiça branqueia um confesso criminoso neonazi", sublinhou.
Já Mário Machado - recebido à saída do tribunal por cerca de 20 apoiantes de Mamadou Ba com a frase que originou a condenação por difamação do ativista antirracista - apelidou a decisão desta sexta-feira de uma "vitória da justiça portuguesa", por não se ter deixado "pressionar" pelas personalidades de Esquerda que testemunharam a favor do arguido.
A saída do antigo líder de vários movimentos de extrema-direita do Campus de Justiça de Lisboa ficou ainda marcada por alguns momentos de tensão com os manifestantes ali presentes. Inicialmente, Mário Machado ia afastar-se pelo lado oposto da concentração, mas, desafiado pelos manifestantes a não o fazer, acabou por passar mesmo por entre os apoiantes de Mamadou Ba. Chamado de "assassino", regressou atrás, tendo sido retirado do local por agentes da PSP.