Um médico radiologista vai ser julgado por dois crimes de violação, depois de ter introduzido os dedos na vagina de duas pacientes à revelia das regras profissionais. As alegadas vítimas queixaram-se de terem sido submetidas, numa clínica privada de Bragança, a um exame ginecológico que não constava entre os requisitados e dos quais não lhes foi entregue qualquer relatório. A atuação do radiologista já foi censurada pela Ordem dos Médicos.
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O arguido foi acusado pelo Ministério Público e, depois de ter requerido a abertura de instrução para tentar evitar o julgamento, foi pronunciado por ter constrangido as mulheres, "por meio de erro que lhes induziu e do qual se aproveitou, a praticar os atos sexuais pretendidos", que consistiram na "introdução vaginal" de dois dedos.
O juiz de instrução criminal concluiu que o arguido, "ao agir da forma descrita, se fazia valer da sua qualidade de profissional de saúde, médico especialista em radiologia, para lograr introduzir os seus dedos nas vaginas das vítimas, não obstante o toque vaginal não se encontrar preconizado nas boas práticas médicas e não ter dado tal informação às vítimas."
"Está a sentir calores?"
Segundo a acusação, os crimes ocorreram numa clínica que é propriedade de um hospital privado de Bragança, que já pertenceu ao médico, atualmente com 75 anos e desligado do Serviço Nacional de Saúde. Uma queixa reporta-se a novembro de 2020 e a outra a factos ocorridos em fevereiro de 2021.
As vítimas são duas mulheres que têm entre 40 e 50 anos e se deslocaram à clínica para realizar ecografias mamárias, abdominais e ginecológicas, tendo sido atendidas pelo médico radiologista.
Segundo o despacho instrutório, após a realização da mamografia, as mulheres foram conduzidas para outro gabinete, onde estava o radiologista, e, no decorrer da consulta, foram informadas de que iria ser realizado outro exame.
No primeiro caso, o médico, após realizar ecografias mamária, abdominal e ginecológica, anunciou que iria fazer outro exame "para saber como estão as hormonas". Para o efeito, introduziu o dedo indicador e o médio na vagina da utente, informando que se tratava de um "medidor de intensidade" que era "um exame hormonal muitas vezes confundido com o ato sexual", mas "que nada tem que ver com sexo".
A segunda queixosa foi submetida ao mesmo exame depois de ter dito que tinha problemas no útero. Segundo a acusação, durante o exame, o médico dirigiu várias expressões à paciente: "Está a sentir calores?"; "Pode libertar"; "Relaxe"; "Liberte-se"; "Isto não tem mal nenhum, mas se quer parar...".
Perante os comentários as mulheres terão pedido ao médico para parar o exame. Mais tarde, junto dos médicos de família, verificaram que o procedimento clínico não constava dos relatórios elaborados pelo radiologista e que não tinha sido cobrado.
A versão do arguido
Na instrução do processo, o arguido negou ter procedido aos exames de "toque vaginal" e de ecografia endovaginal, no caso da primeira queixosa. No segundo caso, admitiu que fez a referida ecografia e o chamado "toque", mas com a concordância da vítima, depois de a esclarecer sobre o que era a prática médica em causa.
"Legis artis" violada
O arguido sustentou a mesma tese na Ordem dos Médicos, à qual a segunda queixosa apresentou uma denúncia, depois de também ter lavrado um protesto no Livro de Reclamações da clínica.
A Ordem dos Médicos instaurou ao médico um processo disciplinar, concluindo que este, enquanto especialista em radiologia, "não podia deixar de ter conhecimento de que a sua conduta era contrária à legis artis", e, por isso, punível com uma sanção disciplinar de mera censura, por não ter antecedentes. A Ordem disse ainda que o arguido era "merecedor de um juízo de reprovação ética".