Dois clínicos e donos de agência punidos com multas por 64 casos de fraude em renovações de cartas de condução.
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Dois homens e duas mulheres, incluindo dois médicos, foram condenados por crime de atestado falso. Terão de pagar multas de 1500 e 3750 euros e de entregar ao Estado 960 euros - verba apurada como tendo sido paga pelos 64 documentos fraudulentos emitidos, ao longo de 2013, em Vale de Cambra. Cada atestado falso custava 15 euros. A punição foi agora confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto.
Os juízes deram como provado que os sócios de uma agência que, entre outras atividades, revalidava cartas de condução, estabeleceram acordo com um médico e uma médica para estes, sem necessidade de avaliação presencial, nem de quaisquer exames, passarem atestados médicos para os seus clientes renovarem os títulos de condução.
Segundo o plano gizado, "pelo menos uma vez por semana, a arguida [sócia da agência] dirigia-se ao consultório onde deixava os requerimentos com os questionários" para os atestados. Um ou dois dias depois, regressava para os levantar, já preenchidos, entregando, em troca, a quantia acordada: 15 euros por cada atestado.
Cometeram um só crime
Os arguidos foram condenados por apenas um crime, não obstante a emissão de 64 documentos que não correspondiam à verdade. Em causa estão 35 atestados emitidos pelo médico e 29 pela médica. Explicam os juízes que, como os atestados foram emitidos em 2013 e em períodos curtos, "existiu apenas uma resolução criminosa, ou seja, foi tomada uma só decisão criminosa [...], cometendo assim cada um dos arguidos um só crime de atestado falso". Por esta razão, os arguidos acabaram punidos apenas com multa.
Todos os arguidos recorreram da decisão de primeira instância. Os médicos argumentavam que sempre estiveram disponíveis para atender os clientes e "atenderam efetivamente muitos deles, chegando mesmo a recusar a emissão de atestado em alguns desses casos". Além disso, o único acordo era que a agência indicava o seu consultório aos clientes que não dispunham de atestado médico e, em troca, estes praticavam preço mais vantajoso (15 euros).
Os médicos garantiam ainda que ao exercer medicina naquela área geográfica "em contexto de centro de saúde, urgências ou consultório privado" tinham "amplo conhecimento da situação de saúde das pessoas visadas". Portanto, atuaram "na convicção de que aquilo que atestaram correspondia à verdade".
Por sua vez, os sócios da agência frisavam que, não sendo médicos, não são abrangidos pela norma incriminatória do atestado falso.
Os juízes desembargadores não atenderam aos seus argumentos e concluíram que, ao passarem atestados sem avaliação presencial dos clientes, os médicos praticaram mesmo crime. E os donos da agência foram coautores.
RECURSO
Ministério Público queria cinco meses de prisão
Perante as condenações a multa em primeira instância, o Ministério Público apresentou recurso para a Relação do Porto, frisando que a condução de um automóvel é "uma atividade perigosa" que exige "extrema concentração e máxima cautela". Mais do que meramente justificar uma falta ou uma baixa médica, "o que seria sempre criminalmente censurável", aqueles atestados "permitiram que pessoas, com idades já em alguns casos bastante avançadas, pudessem ver a sua carta de condução renovada". Perante a "especial gravidade e perigosidade das condutas em causa", o MP entendia que o Tribunal deveria ter optado pela aplicação de uma pena de prisão, nunca inferior a cinco meses, embora admitindo que devesse ser substituída por pena não privativa de liberdade ou suspensa na sua execução, uma vez que os arguidos não têm antecedentes criminais e se encontram integrados na sociedade.
PORMENORES
Renovação até aos 60
Segundo as últimas alterações legislativas, as atuais cartas de condução para veículos ligeiros têm validade de 15 anos, podendo ser renovadas sem atestado médico até o titular completar 60 anos.
Atestado necessário
A partir dos 60 anos, o pedido de renovação tem de ser acompanhado de atestado médico e as cartas têm de ser revalidadas aos 65 anos e aos 70 anos. Depois dos 70 anos, a revalidação é obrigatória de dois em dois anos.