Mãe diz que a filha ameaça matar-se, se voltar "à força" para a Misericórdia de Resende. Rapariga tem 17 anos e há 12 foi retirada à família. MP emitiu mandado.
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Munida de um mandado de detenção e encaminhamento para instituição social, emitido pelo Ministério Público (MP), a GNR tentou ontem, sem sucesso, retirar da habitação dos pais uma jovem, de 17 anos, que fugiu há um mês da casa de acolhimento onde vivia há vários anos, por ter sido retirada aos progenitores, juntamente com outras três irmãs. A rapariga evadiu-se da Santa Casa da Misericórdia de Resende, alegando não ter liberdade. Desde então, encontra-se em Barcos, Tabuaço, junto da família.
Os pais pediram ajuda ao Movimento AMARCA - Associação e Movimento de Alerta à Retirada de Crianças e Adolescentes, para dar entrada com um processo na Justiça, para que Filipa não volte a sair de debaixo do seu teto. Esse apelo não impediu o MP de emitir um mandado de detenção e encaminhamento para a casa de acolhimento, por a jovem ter fugido da Misericórdia. Mas, ontem, os militares da GNR não conseguiram executar o mandado, porque Filipa se recusou a sair da casa dos pais.
"Ela está com muito medo. Não quer ir para Resende e diz que, se for à força, se vai matar", conta ao JN a mãe, Anabela Pinto, acrescentando que a GNR ficou de regressar para encaminhar a jovem para a IPSS - instituição particular de solidariedade social.
Quatro filhas retiradas
Filipa e as três irmãs, que já são maiores de idade, foram retiradas, há 12 anos, aos pais. Que se queixam de nunca ter tido ajuda do Estado para as recuperar.
"As meninas foram-me retiradas, porque certas pessoas foram para a Segurança Social (SS) fazer acusações, levantando falsos testemunhos. As técnicas da SS diziam que eu batia muito nas minhas filhas, que dava maus-tratos, mas elas nunca foram maltratadas. Tenho muitas testemunhas", garante Anabela Pinto.
Tanto a mãe como o pai de Filipa trabalham, à jorna, na agricultura. Vivem numa casa modesta, com dois quartos, sala, cozinha e um quintal.
"A minha casa não tem grandes arrumações, mas tenho uma cama onde ela pode dormir limpinha, tenho água quente, tenho um grande quintal onde tenho tudo para ela comer. Porque é que não me davam ajuda pelo menos para compor a casa para as ter comigo?", questiona a mãe.
As queixas não se ficam por ali. Anabela Pinto também alega que o Estado lhes pôs as filhas em instituições onde foram "maltratadas".
Segunda fuga desde 2019
Filipa garante que não sofreu qualquer tipo de abuso em Resende, onde estava até fugir há um mês. Esta foi a segunda vez que escapou da instituição, dirigida pela Santa Casa da Misericórdia local. Já em 2019, tinha fugido, com outras jovens e uma irmã, Ausenda, para o Montijo. Aqui, ficaram em casa de uma amiga que tinham conhecido na instituição. Estiveram em fuga cerca de dois meses.
A irmã voltou a evadir-se pouco depois e, quando fez 18 anos, foi viver para Viseu. Filipa ainda se aguentou mais dois anos, mas, a meio ano de atingir a maioridade, decidiu que quer viver com os pais e acabar o 9.º ano na terra onde nasceu.
Advogado
"Não é aceitável que os pobres tenham filhos"
O advogado Gameiro Fernandes está ao lado da família e aponta o dedo ao Estado. Considera que este fez das crianças um "negócio" e que as mais novas são autênticos "ativos financeiros" para associações e instituições sociais.
"O Estado tem o direito de retirar crianças, se elas estiveram em risco, mas tem a obrigação de as acolher. E o que é que faz? Delega essa função em privados, cria estruturas, com bastante carga financeira e, depois, essas estruturas pesadas necessitam de crianças para se manter, e entramos num círculo vicioso", denuncia. O advogado lamenta que, em vez disso, não se opte por ajudar as famílias mais carenciadas. "Para o Estado, não é aceitável que os pobres tenham filhos", acusa. O advogado vai mais longe. Afirma que, depois da retirada dos filhos, o segundo negócio com os menores é o da adoção. O terceiro são as visitas supervisionadas e o quarto, enumera, é a terapia familiar. "Temos o nosso Direito de Família e Menores todo preenchido com negócios à conta das crianças", protesta.
Saber mais
Misericórdia não fala
O "Jornal de Notícias" tentou, sem sucesso, obter uma reação da Misericórdia de Resende.
Duas instituições
Quando foram retiradas à família, as quatro raparigas foram encaminhadas para uma casa de acolhimento no Caramulo, de onde saíram, em 2017, para Resende, depois de a Segurança Social ter tirado todas as jovens daquela instituição.
Perdeu outros três
Antes das quatro filhas do seu atual casamento, Anabela Pinto já tinha perdido outros três filhos, de uma anterior relação, que foram entregues para adoção.