Justiça brasileira quer luso-brasileiro José Carlos Lavouras na cadeia, mas o Estado português recusa extraditá-lo.
Corpo do artigo
No Brasil é apelidado de "chefe da máfia dos ónibus do Rio de Janeiro" e é um dos visados no caso Lava Jato procurados pela Justiça. O milionário José Carlos Lavouras está em Portugal e vive no Porto, onde beneficia da nacionalidade lusa e não pode ser extraditado. É um dos donos de respeitáveis empresas: Gondomarense e Águas de Carvalhelhos. O Ministério Público português abriu dois inquéritos por suspeitas de branqueamento, mas a sua defesa sublinha que as sociedades em Portugal nada têm a ver com o "Lava Jato". Em terras de Vera Cruz, o empresário liderou durante anos a poderosa Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro. Segundo as autoridades locais, terá estado na origem do pagamento de 133 milhões de euros em subornos a políticos.
No Rio, para onde não se desloca, por arriscar ser imediatamente detido, está formalmente acusado - num caso derivado do caso Lava Jato - de ter criado um "saco azul" milionário, com outros empresários do setor dos transportes, destinado a pagar luvas a políticos. Em troca, alegadamente conseguiriam benefícios fiscais, assim como vantajosos aumentos de tarifas dos transportes, permitindo lucros chorudos.
Esta investigação levou à detenção de 12 políticos e empresários do Rio de Janeiro. Mas, em julho de 2017, quando lhe foi decretada a prisão preventiva, no âmbito da operação Ponto Final, Lavouras estava em Portugal, para onde costumava viajar pelo menos uma vez por ano.
O empresário milionário ainda chegou a ser detido pela Polícia Judiciária, em julho de 2017, ao abrigo de um mandado internacional emitido pelo Brasil. Todavia, por ter nacionalidade portuguesa (filho de pais portugueses), o Tribunal da Relação do Porto teve de o libertar. Desde então continua a viver à vontade no Grande Porto, numa casa propriedade da mãe, sem receio de ir parar à prisão. E ajuda a gerir um império empresarial familiar em Portugal e no Brasil.
A empresa de transportes Gondomarense, de Gondomar, e as Águas de Carvalhelhos, de Boticas, são propriedade da família desde a década de 80 do século passado. O pai, José Alves Lavouras, emigrante português no Brasil, criou um império no setor dos transportes no Brasil e, ao mesmo tempo, adquiriu múltiplas empresas em Portugal (ler texto na página seguinte). José Carlos é um dos quatro filhos que passou a gerir as empresas familiares e acabou implicado no "Lava Jato", através da célebre "delação premiada" - denúncia de um outro empresário suspeito de corrupção.
Dinheiro de família
Foi pouco depois de, em julho de 2017, ter sido libertado pelo Tribunal da Relação do Porto que o Ministério Público do Porto começou a investigar Lavouras e irmãos. O sistema bancário português detetou, provenientes das Ilhas Virgens Britânicas (considerada praça offshore), duas transferências para contas de Lavouras em Portugal: uma de mais de dois milhões de euros e outra de valor superior a 120 mil euros.
O Ministério Público português desconfia que essas verbas podem não ter origem legal e ordenou a apreensão dos saldos, ao abrigo da lei de combate ao branqueamento de capitais. Por outro lado, as autoridades brasileiras suspeitam que Lavouras veio para Portugal, onde sabia que não podia ser extraditado por ser cidadão nacional, e quis transferir para território nacional dinheiro que guardava em offshore.
Ao JN, Amílcar Fernandes e Nogueira da Costa, advogados de José Carlos Lavouras em Portugal, assegurou que "o dinheiro é legítimo", tendo origem em património familiar (resultante de "partilhas em 1995" e venda de participações sociais), não sendo proveniente de proveitos no Brasil.
"O dr. José Carlos tinha já esse dinheiro há mais de 20 anos, naturalmente aumentando com a remuneração de juros nessa conta no estrangeiro. Ao abrigo da legislação brasileira de repatriação de capitais - semelhante ao nosso Regime Extraordinário de Regularização Tributária, pagou ao Fisco brasileiro 30% desse valor e todos os anos essa quantia ficava a constar da declaração do imposto de renda no Brasil", explicou ao JN, garantindo que, nestes processos em Portugal por suspeitas de branqueamento de capitais, Lavouras não foi constituído arguido.
O MAGNATA DOS TRANSPORTES
José Carlos Lavouras nasceu há 60 anos no Rio de Janeiro. Muito conhecido no Brasil por ser um todo-poderoso administrador de empresas de transportes e ser presidente da Federação de Empresas de Transportes do Rio de Janeiro. Foi nesta qualidade que surgiu implicado no processo Lava Jato, na sequência da "delação premiada" de um empresário do setor dos transportes, que denunciou a sua liderança num esquema de pagamento de luvas a políticos. Em 2017, escapou à detenção no Brasil porque, na altura, se encontrava em Portugal. Foi ordenada a sua prisão preventiva em dois processos: operação Ponto Final e operação Cadeia Velha. Por causa destes dois casos e pela sua notoriedade no Brasil, recentemente Lavouras foi alvo de uma reportagem da TV "Globo", no programa "Fantástico". Além de foragido, José Carlos é descrito como alguém com uma "vida de luxo" e que mudou o visual desde que veio para Portugal. Foi seguido durante 10 dias na zona do Grande Porto, em viagens com motorista, ao volante de dois veículos Mercedes, sendo inclusive acompanhado à entrada na sede da Gondomarense. Ao JN, os seus advogados em Portugal negam que Lavouras tenha uma vida faustosa. "Vive na casa da mãe. Vive sozinho. Todos os dias entra de manhã na Gondomarense, almoça lá, trata das coisas dele e sai por volta das 18 horas. Tem motorista porque não pode conduzir, devido a problema de saúde. Passa muito tempo em médicos, a tratar-se", explica ao JN Nogueira da Costa, advogado de Lavouras e das empresas da família. Todo o património "foi comprado no tempo do pai", assegura o mesmo jurista. Aquando das partilhas por morte de José Alves Lavouras, em 1993, todas as empresas foram atribuídas à mãe e cada um dos quatro filhos recebeu 1,125 milhões de euros.