Ministério Público investiga desvio de 700 mil euros do Clube Nacional de Montanhismo
O Ministério Público (MP) do Porto está a investigar alegados desvios de pelo menos 700 mil euros do Clube Nacional de Montanhismo (CNM), uma associação com Estatuto de Utilidade Pública que gere um parque de campismo de grande dimensão em Vila do Conde.
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As autoridades suspeitam que membros da anterior Direção possam ter enriquecido à custa do clube, com duplicação de faturas de obras, empréstimos ilegais e gastos pessoais injustificados à custa do CNM. Só no último mandato, os antigos responsáveis gastaram 260 mil euros em jantares e deslocações. O inquérito já mereceu o estatuto de "especial complexidade".
Há quem compare estas suspeitas com o caso da Raríssimas, em que a ex-presidente da instituição é suspeita de ter gasto cerca de 300 mil euros em despesas pessoais.
No CNM, uma auditoria às contas da anterior Direção, pedida pela atual liderança, assinalou, além dos 260 mil euros em refeições e viagens, gastos de 38 mil euros em materiais de construção civil que nunca terão sido aplicados no parque de campismo, 156 mil euros de faturas não contabilizadas nos livros do clube, 206 mil euros reclamados por fornecedores que o CNM já pagou por cheques levantados por terceiros, ou ainda seis mil euros levantados em dinheiro vivo da caixa e sem justificação.
O caso começou com as últimas eleições em 2020. Segundo apurou o JN, a anterior Direção demitiu-se alegando dificuldades de tesouraria provocadas pela covid-19. Os seus membros voltaram a candidatar-se, mas um punhado de associados decidiu constituir uma lista, que venceria o ato eleitoral por larga maioria e contrataria uma empresa para realizar uma auditoria às contas.
Poucos meses depois, os auditores concluíram ter havido uma adulteração dos relatórios de contas e dos resultados contabilísticos. Também detetaram financiamentos de um total de 291 mil euros, feitos nos últimos anos do mandato da anterior Direção.
De acordo com uma queixa que seguiu para o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto, os empréstimos não foram realizados junto de instituições bancárias, mas sim com particulares, dois deles sócios do CNM. Um total de 27 mil euros foram emprestados ao clube pelo seu então vice-presidente, que terá recebido três mil euros de juros pelo financiamento. Nenhum desses empréstimos foi lavrado em escritura pública ou aprovado em assembleia-geral do clube, segundo a investigação.
Material em residencial
O CNM também poderá ter pago materiais que colocados numa quinta do ex-presidente e numa residencial do ex-vice-presidente. Só no primeiro semestre de 2020, as contas do clube revelam despesas de 12 mil euros em materiais de construção civil nunca usados no CNM. Funcionários da instituição, citados como testemunhas no inquérito, contaram que tinham aplicado os materiais em residências dos dirigentes.
O clube também adquiriu três iPhones 11 Max (3800 euros), dois Samsung S10 e um computador portátil destinados aos anteriores dirigentes. Apenas o ex-presidente restituiu o seu iPhone.
O JN tentou contactar elementos da anterior Direção para obter esclarecimentos, mas, à exceção do ex-presidente (ler em baixo), tal não foi possível. A atual liderança também não se mostrou disponível para falar do caso.
Reclassificação de despesas nas contas
As auditorias feitas às contas do Clube Nacional de Montanhismo revelaram que, no final de cada ano, algumas rubricas de contabilidade eram reclassificadas. Despesas de alimentação eram registadas como se fossem obras realizadas no parque de campismo. No ano de 2019, despesas relativas a refeições, com um valor de 30 mil euros, foram registados como sendo uma remodelação de um bloco. Outros 20 mil euros que também seriam de despesas de alimentação com a Direção acabaram por aparecer como "abastecimento de água". Outra despesa de refeições de 7 mil euros foi transformada em "arruamentos", do parque de campismo. Os auditores apontaram trocas de um valor total de 70 mil euros. Poderão estar em causa crimes de falsificação de documentos e fraude fiscal.
Ex-presidente nega ilegalidade
Jorge Gabriel Oliveira, que liderou os destinos do Clube Nacional de Montanhismo (CNM) nos últimos 13 anos, garantiu ao JN querer que a investigação do Ministério Público esclareça todas as situações. "Quero que se investigue tudo até ao fim porque nunca cometi nenhuma ilegalidade. Sobre tudo o que diga respeito a contas, eu confiava e dava como certo as decisões do tesoureiro e do contabilista do clube, que são contabilistas certificados, além do gabinete externo que trabalhava para o clube. Confiava plenamente nessas pessoas", disse o ex-presidente do CNM, que, garantiu, desconhece a investigação criminal em curso. "Não foi notificado de nada e muito menos acusado", esclareceu.
Pormenores
Manobras
Na queixa que enviou para o MP, a atual direção do Clube imputa manobras contabilísticas e a atribuição de ajustes obscuros à anterior liderança.
Sem arguidos
O inquérito ainda não tem arguidos constituídos, mas o procurador do Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto já atribuiu o estatuto de especial complexidade ao caso.