Ex-funcionário de empresa gestora de resíduos hospitalares foi processado por vogal da APA após "Sexta às 9" denunciar licenciamento "relâmpago".
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O Ministério Público (MP) quer levar a julgamento, por difamação agravada, um homem que nega ter sido a fonte de um programa televisivo, "Sexta às 9", que noticiou, em 2017, um alegado favorecimento da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) a Ambimed, empresa que gere resíduos hospitalares.
O arguido, Adelino Mota, saiu da Ambimed em 2014 e garante que está inocente. O seu "inferno" começou na RTP1, em 19 de maio de 2017. Nesse "Sexta às 9", a jornalista Sandra Felgueiras fala "num processo relâmpago" que licenciou um incinerador de resíduos hospitalares perigosos à Ambimed. Quem licenciou foi a APA, contrariando pareceres da Direção Geral da Saúde e do próprio secretário de Estado da Saúde, na altura Manuel Teixeira. Várias pessoas deram a cara no programa, apontando perigos àquele incinerador e dizendo que seria "desnecessário" e ficaria "a maior parte do tempo parado". A finalidade seria, alegadamente, permitir à empresa a importação de lixos perigosos.
No ar terá ficado a ideia de que, àquele licenciamento, não seria estranha a presença na APA, como vogal, de Inês Folgado Diogo, requisitada pouco antes à Ambimed. A engenheira, que não cortara a ligação laboral à empresa, estava na APA com o pelouro dos resíduos.
No programa, apareceu ainda um personagem de cara tapada e voz distorcida, identificado como "ex-funcionário" e que apontou, com imagens, maus procedimentos da Ambimed na recolha e armazenamento de lixo hospitalar. São mostrados sacos amontoados ao ar livre, de onde vertem sangue e outros líquidos.
A Ambimed não levou ninguém a tribunal, mas Inês Folgado avançou com queixa contra quem falara sob anonimato e teria feito "insinuações" atentatórias da sua idoneidade.
Sem certezas, vai este...
O MP investigou e não chegou a conclusão nenhuma sobre a identidade daquela fonte anónima. Até porque muitas pessoas teriam abandonado a Ambimed antes de o programa ir para o ar. Sem outra saída, notificou Sandra Felgueiras para que identificasse a fonte. A jornalista invocou o segredo profissional para nada dizer, mas o MP não esteve pelos ajustes e, sem indícios que permitissem, sem dúvidas, "determinar" quem alegadamente difamara Inês Folgado, decidiu acusar Adelino Mota. Imputou-lhe o crime de difamação agravada, com publicidade, que pode custar dois anos de prisão.
O arguido pediu a abertura de instrução, tendo-lhe saído o juiz 5 do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, Carlos Alexandre, em acumulação de funções com as do "Ticão". Esta semana, no debate instrutório, a procuradora falou em "fifty-fifty", sobre a probabilidade de o arguido ser a fonte do programa, e concluiu que o melhor era mandar o arguido a julgamento. Depois se veria, sustentou.
A defesa, a cargo do advogado Manuel José Mendes, começou por "subscrever" as palavras da procuradora, mas não a sua conclusão. Exclamou pois a maior estranheza pela opção do MP de mandar para julgamento o seu cliente, depois de admitir sérias dúvidas. Invocando o princípio estruturante do processo penal "in dúbio pro reo", pediu a Carlos Alexandre que tivesse em conta a ausência "total" de indícios contra o seu cliente, para defender que este "não deve ser pronunciado". A decisão do juiz será conhecida em 14 de julho.
Empresa acompanha
A Ambimed não levou a tribunal nenhum dos intervenientes do "Sexta às 9". No entanto, tem acompanhado o processo, com o estatuto de "interveniente acidental".
Acusação de três páginas
A acusação do Ministério Público tem apenas três páginas. Os factos aqui apontados como difamatórios da vogal da APA não são proferidos pela fonte anónima do processo, mas por aquelas que deram a cara na notícia.