Ministério Público pede nove anos de prisão para Manuel Pinho e sete para Ricardo Salgado
O Ministério Público pediu, esta segunda-feira, que o ex-ministro Manuel Pinho, de 69 anos, seja condenado a pelo menos nove anos de prisão por ter, alegadamente, recebido cinco milhões de euros do ex-banqueiro Ricardo Salgado para beneficiar o BES/GES enquanto exerceu funções governamentais, entre 2005 e 2009.
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Para o antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES), de 79 anos e diagnosticado com Alzheimer, o procurador Rui Batista pugnou pela aplicação de uma pena "de seis a sete anos" de cadeia. Por norma, só penas até cinco anos de prisão podem ser suspensas, mas a defesa do ex-banqueiro tem tentado, em vários processos, invocar aquela doença para tentar travar que este cumpra eventuais condenações a prisão efetiva. Esta segunda-feira, o magistrado considerou que essa é uma questão a ser analisada numa fase posterior do processo.
No banco dos réus, senta-se ainda Alexandra Pinho, de 63 anos, por ter presumivelmente ajudado o marido a branquear, incluindo com recurso a "offshores", as vantagens recebidas. O Ministério Público entende que deve ser punida com quatro anos de pena suspensa.
Em causa estão crimes de corrupção, branqueamento e fraude fiscal, praticados, segundo a acusação, entre 2005 e 2012, todos em coautoria entre dois ou três arguidos. Os projetos de potencial interesse nacional (PIN) das herdades da Comporta (Alcácer do Sal) e do Pinheirinho (Grândola) são alguns dos que estão sob suspeita.
No julgamento, iniciado em outubro de 2023, Manuel e Alexandra Pinho negaram, na generalidade das imputações, tendo o ex-ministro assegurado que os montantes que recebeu enquanto integrou o primeiro Governo de José Sócrates, incluindo transferências mensais de 15 mil euros, foram uma compensação contratual pelo seu afastamento, em 2004, da coordenação da área de mercado de capitais do BES e não subornos. O alegado pagamento de "luvas" terá continuado, para a acusação e em diversas modalidades, mesmo depois de Manuel Pinho abandonar o Executivo.
Já Ricardo Salgado não prestou declarações em tribunal sobre os factos, devido à doença neurodegenerativa de que padece e que afeta, nomeadamente, a memória.
Ex-banqueiro foi "dono da relação"
Esta segunda-feira, o procurador Rui Batista considerou que ficou demonstrado no julgamento que Ricardo Salgado corrompeu mesmo Manuel Pinho, ainda que com contrapartidas e em projetos que não correspondem totalmente aos enumerados na acusação do Ministério Público, datada de dezembro de 2022.
"Não era relevante se Ricardo Salgado era o 'Dono Disto Tudo'. O que interessa para o Ministério Público é que Ricardo Salgado foi dono da relação com Manuel Pinho e o que importa é que o pagamentos foram decididos por Ricardo Salgado. Não existe qualquer dúvida de que estes pagamentos foram feitos após a cessação do contrato e foram decididos por Ricardo Salgado e Manuel Pinho", sustentou, nas alegações finais.
Rui Batista admitiu que, tal como a defesa alegou, o pagamento de "prémios" no estrangeiro era uma prática generalizada no Grupo Espírito Santo (GES). Sublinhou, no entanto, que em 2005 a "estrutura de ocultação" dos rendimentos foi "reforçada" por Manuel Pinho com constituição de uma fundação no Panamá, de modo "a acharem que nem era titulada por ele". A intermediação terá sido feita por uma entidade ligada ao GES.
O esquema terá tido "continuação" em 2010, quando o antigo ministro da Economia criou uma outra sociedade offshore, nas Ilhas Virgens Britânicas. Tê-lo-á feito, defendeu o procurador, para investir num apartamento em Nova Iorque, nos Estados Unidos da América, contornando as leis de prevenção do branqueamento de capitais ali em vigor.
O objetivo foi sempre "ocultar dois crimes precedentes: a corrupção e o não pagamento de impostos". Enquanto Manuel Pinho foi ministro, só a mulher, alguém com "conhecimentos financeiros profundos", movimentou a conta da fundação no Panamá, "também no interesse da economia do casal", incluindo para adquirir obras de arte.
Mostrar que "crimes não compensam"
"Estes crimes não são crimes de impulso. São crimes ponderados: a estratégia económica, o risco", salientou Rui Batista, precisando que quem os pratica acredita que "nem sequer" vai ser "descoberto", que se o for não vai ser "julgado" e que o se tal acabar por acontecer não será "condenado" ou, por estar inserido familiar e profissionalmente, não terá uma pena pesada. "Não se pode estar inserido na sociedade quando se pratica crimes de corrupção", realçou.
No final, o magistrado considerou que, embora a "probabilidade de reincidência" dos arguidos, é necessário a Justiça mostrar que "estes crimes não compensam". Até porque, acrescentou, está em causa corrupção num "órgão de topo da administração" e com montantes recebido durante um longo período e com uma "estrutura de ocultação" complexa.
À saída da sala de audiências, Manuel Pinho desvalorizou as alegações finais do Ministério Público e disse estar convicto de que não será condenado à pena pedida pelo procurador.
O julgamento prossegue na terça-feira, com a intervenção da defesa do antigo governante, atualmente em prisão domiciliária. Na quarta-feira, será a vez de alegarem mandatários de Ricardo Salgado e Alexandra Pinho. Só nessa altura o Tribunal Central Criminal de Lisboa agendará uma data para proferir a decisão.
O processo resultou do inquérito às chamadas "rendas excessivas" da EDP, em investigação pelo Ministério Público há mais de uma década.