O Ministério Público (MP) entende que a mulher que está acusada de, em julho de 2022, ter matado o filho à nascença, colocando-o depois num caixote do lixo, na Mealhada, deve ser condenada a pena de prisão, se o tribunal de Aveiro seguir a recomendação feita esta sexta-feira pelo Ministério Público.
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A arguida, Inês C.de 34 anos, que está acusada de crimes de homicídio qualificado e por profanação de cadáver, alegou sempre às autoridades que, até ao momento do parto, não sabia que estava grávida. E o certo é que nunca falou de uma eventual gravidez à família, aos amigos ou ao namorado – que, veio a contar mais tarde, não era o pai do bebé. Mesmo quando foi confrontada, pela mãe, com uma eventual gravidez – quando já estava perto do final do tempo de gestação –, negou. E fez, inclusive, uma publicação no Facebook a desmentir uma gravidez. Quanto ao facto de não ter menstruação, alegava que era irregular.
O testemunho dos familiares e amigos de Inês C. deram força, segundo o MP, à tese de que a mulher sabia que estava grávida e que premeditou matar o bebé à nascença. A procuradora da República frisou que, quando lhe rebentaram as águas – “e aí não podia ignorar que estava em trabalho de parto, visto ser o terceiro filho” –, a arguida foi para a casa de banho, onde teve o bebé sozinha, em silêncio.
Inês C. não pediu ajuda, ainda que numa divisão contígua à casa-de-banho se encontrasse um dos filhos, de 12 anos, e no rés-do-chão da casa estivesse a mãe. “Este comportamento não é o de alguém que foi surpreendido pela gravidez”, referiu a procuradora.
Em tribunal, a mulher referiu várias vezes que entrou “em pânico e em desespero”. No entanto, não convenceu o MP, que a acusou de ter um discurso “trabalhado e ensaiado”. Inês referiu, também, que lhe pareceu que o bebé tinha nascido morto. O certo é que, depois do parto, colocou a criança em três sacos do lixo, atados com um nó, e limpou o casa-de-banho. Depois, saiu da habitação, deixando os sacos num caixote do lixo público, longe de casa.De seguida, apanhou o comboio e foi para o local de trabalho – onde uma hemorragia intensa acabou por chamar a atenção das colegas, que chamaram os bombeiros. Também a quem a socorreu, Inês negou que tivesse tido um parto. E o mesmo aconteceu quando chegou às urgências do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, onde confirmou apenas a existência de uma hemorragia vaginal, causada pela menstruação.
“O grau de dissimulação não é compatível com a ideia de pânico”, explicou a procuradora do MP, garantindo que Inês se apresentou sempre “lúcida e orientada”, “sem sinais de choque”. “Não podem existir dúvidas quanto à imputabilidade da arguida”, deixou claro.
O MP recordou que “a autópsia ao cadáver diz que a criança respirou, após o parto, pelo menos quatro horas”. E frisou “a gravidade dos atos” – “a ocultação do cadáver num local totalmente indigno, como é um contentor do lixo, como se de um pedaço de lixo se tratasse”. Apelou, por isso, ao tribunal que a arguida “deverá vir a ser condenada a penas de prisão”.
Defesa diz que se tratou de infanticídio
A defesa da arguida pediu ao tribunal que o crime seja alterado, de homicídio qualificado para infanticídio. E sublinhou que Inês, até àquele dia, “sempre teve uma vida exemplar, dedicada ao trabalho e à família”.
O advogado de defesa criticou a acusação do MP, alegando que “as entidades responsáveis pela investigação nunca quiseram saber” da versão da arguida.
A arguida mantém-se em prisão domiciliária, desde a altura em que foi detida por homicídio qualificado e por profanação de cadáver. O bebé que deu à luz tinha 47,5 centímetros e 2,549 quilos, o que era compatível com uma idade gestacional superior a 37 semanas.
Médicos divergem
Antes das alegações finais, Tiago Santos, psiquiatra, deixou claro que, após examinar a arguida, “nenhum dado direto ou indireto sugeriu qualquer alteração do estado de consciência ou do estado cognitivo”. O clínico referiu, ainda, que o comportamento de Inês, no dia do parto, sugere uma “capacidade de organização e de planeamento”.
A psicóloga que segue Inês C., no entanto, avaliou em tribunal que ela estava num “estado dissociativo da realidade”.