Ministério Público recorreu da sentença que declara inconstitucional amnistia papal
O Ministério Público apresentou, na última terça-feira, recurso da sentença que declara inconstitucional a lei da amnistia, aprovada a pretexto da Jornada Mundial da Juventude e da visita do Papa Francisco a Portugal. Recurso era obrigatório.
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Num documento com apenas duas páginas, a procuradora do Departamento de Investigação e Ação Penal da Marinha Grande, Dulce Delgado, justifica o recurso com o único argumento de que a decisão da juíza Eva Tomé não aplica um dos artigos da legislação destinada, apenas, a pessoas que tivessem até 30 anos à data do crime cometido.
Tal como o JN avançou, a juíza do Tribunal da Marinha Grande declarou que a lei da amnistia, aprovada em agosto, viola o direito à igualdade e é, por não abranger pessoas com mais de 30 anos, inconstitucional. Com base nesta interpretação, Eva Tomé recusou, na semana passada, condenar um automobilista, com 32 anos, pelo crime de condução em estado de embriaguez.
“Com efeito, o legislador não oferece um critério penalístico para aquele limite. Se por um lado se compreende a opção do legislador em amnistiar as condutas de mínima gravidade, transmitindo à comunidade jurídica que os crimes de médio e grave criminalidade continuarão a ser objeto de punição, o limite etário é compreendido como uma anomalia e soa comunitariamente como injustiça, uma vez que o Estado não oferece qualquer fundamento objetivo para a diferenciação”, lê-se na sentença.
Eva Tomé concluiu, ainda, que “a opção de 30 anos (31 anos, menos um dia), como limite à aplicação da amnistia”, é “materialmente inconstitucional, por ofensa à norma do artigo” da Constituição que descreve o direito à igualdade. E, nesse sentido, declarou “extinto o procedimento criminal, relativo ao crime de condução em estado de embriaguez, por amnistia”.
Recurso era obrigatório
O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Adão Carvalho, já tinha explicado, também ao JN, que esta sentença teria de ser, obrigatoriamente, sujeita a recurso. “A não aplicação da lei com base numa inconstitucionalidade é sempre alvo de recurso por parte do Ministério Público. Primeiro, para um tribunal da relação e, se a decisão for de ratificar a sentença de primeira instância, para o Tribunal Constitucional”, descreveu.
O recurso esperado foi formalizado na última terça-feira. No documento a que o JN teve acesso, a magistrada recorda que a sentença “declarou o limite imposto de 30 anos, pela norma descrita no art.2º, nº1 da Lei nº38- A/2023, de 02.08, como materialmente inconstitucional, por ofensa à norma do artigo 13º, nº2, da Constituição da República Portuguesa”.
E lembra que a juíza do Tribunal da Marinha Grande “declarou extinto o procedimento criminal, movido contra o arguido, relativo ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por amnistia”.
Neste contexto, justifica a procuradora Dulce Delgado, o “recurso deve-se ao facto da sentença recorrida ter decidido não aplicar a norma descrita no art.2º, nº1, da Lei nº38-A/2023”. Ou seja, por ter declarado inconstitucional a lei da amnistia papal.