Alegadas incompatibilidades com PDM e sítios arqueológicos. Operador ameaça pedir indemnização.
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Pode estar comprometido o investimento privado de 30 milhões de euros para instalar seis aerogeradores na serra portuguesa com maior concentração de pinturas rupestres, no concelho de Mirandela. No passado dia 14, o Ministério Público (MP) instaurou uma ação administrativa contra o Município de Mirandela para impugnar o licenciamento concedido a um operador para a edificação do parque eólico na serra de Santa Comba, com fundamento na "incompatibilidade com o PDM" e "pela existência de sítios arqueológicos de interesse público, em vias de classificação". A ação tem efeitos suspensivos, pelo que, até haver uma decisão judicial, a obra não pode avançar.
O assunto foi tornado público na última Assembleia Municipal. "Fomos notificados e vamos responder aos esclarecimentos solicitados pelo tribunal", afirmou a presidente da Câmara. Júlia Rodrigues disse estar de consciência tranquila alegando que o executivo "limitou-se a cumprir as regras" ao conceder licença de construção ao operador "que apresentou todos os pareceres exigidos", sublinhou.
No entanto, a autarquia tem em mãos o pedido de prorrogação do licenciamento por parte do operador que caduca no final do ano. "O facto de estarem em vias de classificação mais zonas, pode levar a uma interpretação diferente e pode ficar suspenso o licenciamento", admite a edil.
"Amanhã é uma minhoca"
Quem não gostou foi o operador. "Estamos a ficar fartos desta situação, porque andamos nesta vida desde 2008" (ver cronologia), lembra o presidente da empresa P4. "Amanhã, aparece uma minhoca qualquer e vai ser do Paleolítico", ironiza Vieira de Castro.
Ainda assim, aquele responsável explica que a ação não tem efeitos práticos imediatos. "A obra não podia começar antes de setembro devido à proteção do lobo-ibérico", mas aguarda por uma decisão favorável. Caso contrário, vai avisando: "Se isto parar, alguém vai ter de nos indemnizar e são mais de 20 milhões", garante, reiterando a convicção de que o parque eólico e a preservação das pinturas rupestres são compatíveis.
A comunidade científica que tem contestado o projeto não esconde a satisfação. "Independentemente do desfecho, denuncia aspetos turvos no processo de licenciamento do parque eólico", adianta a arqueóloga Joana Teixeira, do movimento Juntos pela Serra de Passos sem Ventoinhas. Outras das críticas tem a ver com o estudo de impacte ambiental. "Está obsoleto, não inclui as pinturas rupestres descobertas nos últimos nove anos", adianta.
O que ganha a Câmara com a concessão
No contrato com a empresa P4, está previsto que a Câmara receba um milhão e meio de euros de compensação pela construção do parque eólico (já recebeu 500 mil quando foi emitido o alvará) e 2,5% da receita bruta anual da produção de energia, enquanto 0,5% será para as comissões de baldios das freguesias de Lamas de Orelhão e de Passos, onde está prevista a instalação dos seis aerogeradores. Está ainda acordado que as duas comissões recebam mais 800 mil euros suportados em partes iguais pelo Município e operador.
Quinze anos para contar
Maio de 2008
Tem início o processo com a realização de um concurso público por despacho do ministro da Economia e da Inovação. Onze anos depois, em dezembro de 2019, a empresa P3 (agora P4) obtém a licença de produção que foi autorizada pela Direção-Geral da Energia e Geologia.
Abril de 2022
Licença de alvará de construção do parque eólico é concedida pela Câmara depois dos pareceres de entidades externas, entre elas a Agência Portuguesa do Ambiente, Direção-Geral de Cultura do Norte, Infraestruturas de Portugal, CCDRN, ICNF e Anacom.
Outubro de 2022
Início do processo de classificação da serra de Santa Comba como sítio de interesse público. Proposta abrange a zona onde está prevista a instalação do parque e contempla fixação de uma zona especial de proteção. Comunidade científica avança com petição para suspender construção.
Abril de 2023
Departamento Central/Contencioso do Estado e Interesses Coletivos e Difusos do Ministério Público avança com ação contra a autarquia para impugnar o licenciamento para edificação do parque eólico. Processo tem efeito suspensivo, semelhante ao embargo.