Pai perguntou à criança se preferia aprender a fazer sexo em casa ou manter relações fora e "aparecer grávida". Sentença do Tribunal de Viseu foi agora confirmada pela Relação.
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Um motorista de profissão vai ter de cumprir quatro anos de prisão, decretados pelo Tribunal de Viseu, numa decisão recentemente confirmada pela Relação de Coimbra, por abusar da filha, de 13 anos, em cima do banco de uma carrinha e num palheiro. O homem, a quem um juiz de Viseu quis suspender a pena por entender que a cadeia iria prejudicar a sua ressocialização, também terá de pagar 15 mil euros à filha.
O caso remonta a 31 de dezembro de 2019. A hora não apurada, mas já de noite, o arguido, alcoolizado, disse à sua filha, à data com 13 anos, para o acompanhar numas visitas que ia fazer a amigos. A dada altura, no regresso a casa, o pai parou a carrinha que conduzia e perguntou à menor: “Preferes aprender em casa? Ou preferes ter relações sexuais e apareceres grávida?”.
A menina não respondeu e o arguido começou a tocar-lhe com as mãos no corpo. Primeiro sobre a roupa, e, depois, tirou-lhe as calças e as cuecas. Com a menor já deitada sobre os bancos, o arguido molestou-a durante cerca de 10 minutos, até que a menor lhe pediu para parar. “Pára, pai, está a doer!”, implorou. O pai interrompeu os abusos, a menina vestiu-se e seguiram viagem até casa, tendo o arguido pedido desculpa à filha e que não contasse o sucedido à mãe.
Vítima saiu de casa
Já a 25 de janeiro de 2020, voltou a abusar dela, desta vez num palheiro, novamente alcoolizado. A menor acabaria por contar à mãe o sucedido, em março de 2020. Mas nem o facto de ter sido confrontado pela mulher com os abusos o impediram de dar um “leve” beijo na boca à menor quando esta já tinha feito 14 anos. E, por causa destes abusos, a menor viveu uma perturbação depressiva. Viu também as suas crises de ansiedade agravadas, passando a assumir comportamentos autolesivos, cortando-se nas pernas, braços e ombros.
Foi também “residencializada”, ao abrigo da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, permanecendo num centro de acolhimento, a 35 km de casa, até aos seus 18 anos, altura em que lhe foi aplicada a medida de apoio para a autonomia de vida.
Inconformado com a sentença condenatória, o arguido recorreu, alegando que a pena deveria ser suspensa, acompanhada de um regime de prova e tratamento médico e psicológico, devido à sua condição de dependência alcoólica e depressão. Argumentava que a suspensão da pena permitiria a sua ressocialização, favorecendo também a vítima. Assim, beneficiaria de um apoio financeiro regular, em vez de uma indemnização única que talvez nunca viesse a ser paga, caso o arguido cumpra pena de prisão. Propunha ainda a redução da indemnização para oito mil euros, a pagar em prestações anuais, como condição para a suspensão da pena.
“Erro gigante”
No acórdão de 26 de março, a que o JN teve acesso, os juízes começam por dizer que “um erro na vida não significa uma vida de erros”, mas que, neste caso, “foi um erro gigante”. “Este homem, por três vezes, pelo menos, tão cobardemente, desprezou esta criança, com um desrespeito total pela sua pessoa”, afirmam, concluindo que não estão criadas as condições para que o tribunal possa suspender a execução da pena de prisão, mesmo que com regime de prova.
Queria ficar livre para pagar indemnização
No acórdão a que o JN teve acesso, os desembargadores rejeitaram o argumento de que é preciso o arguido estar em liberdade para conseguir pagar uma indemnização à filha. “Tal é inverter tudo. A punição penal é o principal móbil que nos move – a indemnização civil é apenas uma sua decorrência”, sustentaram, referindo que o cumprimento efetivo da pena de prisão permitirá ao arguido interiorizar o desvalor da sua conduta e interromper o ciclo de consumo de bebidas alcoólicas. Quanto ao valor da indemnização, os juízes defenderam que “há que acabar de vez com as indemnizações miserabilistas no que tange a crimes de natureza pessoal”. “Defender menos do que essa quantia – que, em si, nem elevada é - de 15 000 euros é até aviltante”, concluíram.