MP admite que Rui Pinto seja julgado por menos crimes no caso dos e-mails do Benfica
O Ministério Público (MP) admitiu esta sexta-feira, em tribunal, que Rui Pinto seja julgado por menos crimes do que os 377 de que foi acusado no processo que abrange, entre outros atos, a alegada extração de e-mails do Benfica e a sua entrega a Francisco J. Marques, diretor de comunicação do F. C. Porto.
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Em causa está a eventual aplicação aos 134 crimes de violação de correspondência imputados ao hacker autointitulado denunciante da amnistia aprovada a propósito da realização em Lisboa, em agosto de 2023, da Jornada Mundial da Juventude.
A lei prevê que o regime excecional se aplique a ilícitos praticados, até 19 de junho de 2023, por pessoas até aos 30 anos e que sejam puníveis com até um ano de prisão ou até 120 dias de multa. Rui Pinto tem, atualmente, 35 anos, mas os atos suspeitos de que está agora acusado foram praticados, na sua quase totalidade, quando ainda não cumprira 31.
No entanto, o crime de violação de correspondência é, na sua forma simples, punível com pena de até um ano de prisão ou até 240 dias de multa.
Em setembro de 2023, o Tribunal Criminal de Lisboa considerou, no primeiro processo em que o mentor do Football Leaks foi julgado, que a amnistia se aplicava ao ilícito em causa. Esta sexta-feira, a procuradora Vera Camacho lembrou, porém, que a questão é "controvertida" e que não existem ainda decisões de tribunais superiores que "respondam com assertividade" se o regime abrange situações "de pena de prisão até um ano e pena de multa superior" aos 120 dias estabelecidos na lei.
"Deixamos ao tribunal a tomada de posição nesta parte", sublinhou, no debate instrutório deste segundo processo, no Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, a magistrada, reconhecendo que os argumentos apresentados pela defesa para que a amnistia se aplique também são "válidos".
Paralelamente, Vera Camacho defendeu que Rui Pinto seja mandado para julgamento pelos restantes 243 crimes informáticos de que foi acusado, num despacho da sua autoria, em julho de 2023, antes da promulgação da lei da amnistia.
A decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal, onde o mentor do Football Leaks não compareceu esta sexta-feira por estar ausente do país a colaborar com as autoridades francesas, está agendada para 22 de fevereiro deste ano, 2024.
Defesa critica "sobreincriminação"
Além do Benfica, o hacker autointitulado denunciante está acusado de, entre 2016 e 2018, ter atacado outras 18 instituições e de ter tido armazenado a informação até meados de janeiro de 2019, quando foi detido na Hungria ao abrigo de um mandado de detenção europeu emitido pelas autoridades portuguesas.
Na instrução, a defesa de Rui Pinto apostou exclusivamente em questões jurídicas, incluindo a amnistia, para refutar a "sobreincriminação" do seu cliente e tentar que este seja julgado por um menor número de ilícitos penais.
"O arguido nunca pode ser pronunciado [acusado após instrução] pelos 377 crimes de que está acusado", sublinhou Luísa Teixeira da Mota, rejeitando o entendimento da acusação de cada caixa de correio eletrónico acedida à distância corresponde, apesar de pertencerem à mesma instituição, a um crime.
A advogada mostrou-se "absolutamente crítica da fragmentação do processo" original contra Rui Pinto, no qual este foi condenado, em primeira instância, a uma pena suspensa de quatro anos de prisão por ataques informáticos, a outras cinco entidades, no mesmo período dos factos agora em apreciação, bem como por tentado extorquir, em 2015, o fundo de investimento Doyen Sports. Há igualmente mais um inquérito em curso por atos similares contra outras instituições, que poderá resultar numa terceira acusação.
Esta sexta-feira, o Ministério Público alegou, através de outra procuradora, que, atendendo ao risco de prescrição de alguns crimes, a separação de processos é única forma de não prejudicar "a pretensão punitiva do Estado" nem "os interesses dos ofendidos".
Alheio a todos estes processos é o inquérito em que Francisco J. Marques acabou por ser condenado, já em segunda instância, a uma pena suspensa de dois anos e meio de prisão por ter divulgado no Porto Canal em 2017, para fundamentar a suposta existência de um "polvo" encarnado no futebol, os e-mails do Benfica que terão sido extraídos por Rui Pinto.
No julgamento, finalizado em junho de 2023 e que culminou também na condenação a pena suspensa do atual diretor de conteúdos da estação, o diretor de comunicação do F. C. Porto garantiu não saber quem lhe remetera as mensagens em causa.