No processo em que um estudante francês está a ser julgado pela morte de um português, na escadaria do Coliseu do Porto, em outubro de 2021, o procurador do tribunal S. João Novo deixou cair, nas suas alegações finais, esta sexta-feira, a acusação por crime de homicídio qualificado, para pedir que o arguido seja condenado antes pelo de "ofensas corporais graves, agravadas pelo resultado". E quer vê-lo preso por, "pelo menos, oito anos". As alegações, onde se falou de "islamismo" e "bons cristãos", ficaram marcadas por desaguisados entre os defensores do acusado e dos pais da vítima.
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Não vai ser fácil a tarefa do coletivo de juízes que julga dois jovens cidadãos franceses, a estudar medicina dentária em Portugal, que, a 10 de outubro de 2021, se envolveram numa cena de pancadaria entre dois grupos de estudantes, à porta de uma discoteca próxima do Coliseu. O tumulto teria um fim trágico, com um dos envolvidos, Paulo Correia, a sucumbir, alegadamente, devido a um murro no pescoço que terá sido desferido por Anas Kataya, que está em prisão preventiva desde 11 de outubro do ano passado.
Ontem, em sessão dedicada às alegações finais, o procurador do Ministério Público desistiu da acusação de homicídio qualificado para lhe imputar o crime de ofensas corporais, agravado pelo resultado, a morte de Paulo Correia. Estribando-se na prova produzida em audiência, o magistrado reconheceu a falta de indícios suficientes para manter a acusação de homicídio qualificado, dando, porém, como provado o crime de ofensas corporais que redundaram no funesto fim de Paulo Correia.
Reconhecendo que Anas Kataya não agiu com o propósito de causar a morte do contendor, o acusador público não retirou daí grandes atenuantes e, por isso, quer ver Anas Kataya (que sempre negou a agressão) condenado a "pena nunca inferior a oito anos". Já quanto ao outro arguido, Jean Paul Jelali, acusado de ofensas à integridade física, por ter dado com uma garrafa na cabeça de um jovem do grupo português, para o representante do MP "basta uma pena de multa" para que seja feita justiça.
Regresso das Cruzadas
Quem discordou da visão do procurador foi Joaquim Magalhães, advogado dos pais da vítima mortal, assistentes no processo, que viu na produção de prova indícios suficientes para sustentar o homicídio. Durante a explanação dos seus argumentos, onde poucos foram os poupados, o causídico minhoto emprestou ao arguido e à sua defesa uma suposta intenção de manipular o processo. E, inesperadamente, pareceu querer dividir alguns dos intervenientes (arguidos e vítimas) não em grupos de estudantes, mas de islamitas - "são todos do Magrebe" - e "bons cristãos", aqui numa aparente referência ao catolicismo praticante da família da vítima.
Esta argumentação, que causaria vivo repúdio na defesa de Anas Kataya e no próprio arguido, mereceria também uma reação do coletivo de juízes, que lembrou a todos, de modo categórico, que "o tribunal é laico". Joaquim Magalhães, além de uma indemnização milionária (mais de 500 mil euros), quer uma condenação "próxima do máximo", que são 25 anos.
Para Carlos Ribas, defensor do arguido Anas, a referência em audiência às religiões de cada um foi para si uma novidade inaceitável, à luz da Constituição, do estado de Direito e de uma sociedade livre. Regressando ao processo, Carlos Ribas apontou o que considerou ter sobressaído da produção de prova e que, em seu entender, não reúne indícios de que o seu cliente tenha cometido o crime de que está acusado, tão-pouco o murro que poderá ter causado a morte e que é apontado como "causa" pela autópsia cujas conclusões voltou a pôr em causa e que foram desmentidas por peritos contratados pela defesa.
O acórdão ficou marcado para 17 de novembro, mas a sua leitura poderá ser adiada, se o coletivo de juízes acolher a tese do Ministério Público. Neste caso, terá se alterar a acusação e dar tempo às partes para se pronunciarem sobre essa alteração.