O Ministério Público (MP) considera que Fernando Medina teve comportamentos ilícitos na concessão de um apoio de 200 mil euros a um clube de rugby. Porém, não se provou uma intenção de desvirtuar as normas jurídicas para obter um benefício, tendo arquivado as suspeitas relativas ao ex-presidente da Câmara de Lisboa.
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Apesar de Fernando Medina não ter sido acusado, o apoio municipal de 200 mil euros à XV - Associação Amigos do Rugby de Belém resultou na acusação de quatro outros arguidos pelo crime de tráfico de influência: Sérgio Azevedo, ex-deputado e ex-líder do Grupo Municipal do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa, Carlos Eduardo Reis, deputado e empresário que construiu o piso sintético do campo de rugby e patrocinador da XV, Miguel Freudenthal, ex-presidente da XV, e a própria associação.
Fernando Medina não foi acusado mas, no despacho divulgado, os procuradores fizeram questão de censurar o seu modo de gestão da coisa pública. Em causa está um apoio da Câmara Municipal de Lisboa no valor de 200 mil euros concedido em desrespeito das normais em vigor.
Medina acordou apoio de 200 mil euros em reunião
Segundo o despacho de acusação, no início de 2017, Sérgio Azevedo intercedeu junto de Fernando Medina para este reunir com a VX – Associação Amigos do Rugby de Belém, na qual aquele “tinha interesses e expectativas de natureza patrimonial”. Dessa reunião saiu a decisão de apoiar o clube em 200 mil euros para a construção de um campo de rugby em Monsanto.
A estrutura municipal entrou em ação e o apoio combinado foi concedido no valor e data acordados. Porém, segundo os procedimentos legais, tal não deveria ter acontecido.
O MP lembra que os terrenos de Monsanto, no valor de 1,8 milhões, onde o campo seria construído, tinham sido cedidos gratuitamente em 2013 pelo Município de Lisboa à XV, via Federação Portuguesa de Rugby. Em troca, estas entidades, comprometiam-se a construir ali um campo de rugby e outras estruturas para uso público. Ora, esta cedência, que em si mesmo já constituía um apoio, e a respetiva contrapartida não terão sido conhecidas, analisadas e ponderadas pelos serviços, pelo vereador, pelo executivo ou por Fernando Medina, critica o MP.
Por outro lado, aponta o despacho, o valor do apoio resultou de uma reunião entre os responsáveis da XV e Fernando Medina, não de uma análise imparcial do pedido instruído que, ainda por cima, apenas incluía uma estimativa de custo e não orçamento discriminado e cronogramas, como é exigido.
Decisão final "inopinada, sem quaisquer fundamentos"
Foi uma decisão “não fundamentada”, considerou o Núcleo de Assessoria Técnica da Procuradoria Geral da República. Da análise destes especialistas resulta também que a participação de Medina “pode não ter observado o princípio da imparcialidade nas decisões tomadas”. A decisão final surge, assim, aos olhos do homem médio como inopinada, sem quaisquer fundamentos”.
O MP assinala que, em rigor, Fernando Medina “não atuou enquanto responsável pelo procedimento” mas pode-se falar numa interferência que foi “determinante ou crucial” para o apoio. O andamento do processo dependeu de vários outros intervenientes que, apesar de não terem atuado “com a intenção de beneficiar ou prejudicar ninguém, descuraram no zelo e na exigência devidos”, (…) "porventura motivados ou salvaguardados na vontade manifestada pelo Presidente da Câmara".
"É certo que houve intervenção de Fernando Medina, mas verifica-se que não se logrou demonstrar que, ao assumir o comportamento em causa, o tenha feito com a consciência de que já existia um apoio com a cedência do terreno e que estava a ultrapassar procedimentos essenciais para a boa decisão", considera o MP, acrescentando que também não é possível extrair da prova que Medina, acedendo às insistência de Sérgio Azevedo, o tivesse feito com o propósito inequívoco de o beneficiar e à XV com uma atuação contrário ao direito.
Medina atropelou normas mas não se provou dolo
Ocorreram “comportamentos, incluindo de Fernando Medina, que se desviam e atropelam as normas que enquadram o exercício das funções públicas, e, por isso, ilícitos, reveladora de um modo de gestão e funcionamento da “res publica” merecedor de um juízo de censura”.
Porém, não houve prova de dolo, “de uma intenção de desvirtuar as normas jurídicas e afastá-las para benefício dos mesmos”. Assim, não tendo ficada demonstrada a prática de factos suscetíveis de integrar os crimes de corrupção ativa e passiva, nem do crime de prevariação imputado a Fernando Medina, pelo que foram arquivados os autos nesta parte.
O mesmo não se verificou relativamente aos outros envolvidos que beneficiaram indevidamente do apoio concedido. Foram acusados do crimes de tráfico de influência Sérgio Azevedo, Carlos Eduardo Reis, Miguel Freudenthal a XV.