Conversas de dois magistrados com colega acusado de corrupção levantaram suspeitas, mas foram arquivadas.
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Um juiz conselheiro e uma juíza de direito foram apanhados em escutas da Polícia Judiciária (PJ) de Aveiro e investigados por factos que levantaram suspeitas de violação de segredo de justiça, no caso em que outro juiz de direito, João Evangelista, acaba de ser acusado de corrupção passiva, abuso de poder, procuradoria ilícita e acesso ilegítimo.
Aquelas investigações acabaram arquivadas, porque o Ministério Público (MP) concluiu que o conselheiro em causa, Aragão Seia, e a juíza Eliana Pinto conversaram com Evangelista sobre matérias em segredo de justiça, mas no âmbito das funções de ambos enquanto membros do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF).
A Procuradoria Regional de Coimbra explica, no processo em que acusou Evangelista e outros dez arguidos num caso de corrupção, que as suspeitas de violação de segredo de justiça surgiram depois de, em 2019, este juiz ser alvo de buscas no seu gabinete no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Aveiro.
Suspenso dois anos depois
Face às buscas, justificadas por alegada corrupção, a presidente do CSTAF, Dulce Neto, mandou Aragão Seia e Eliana Pinto pedirem a Evangelista que "fizesse um relatório da ocorrência [buscas] e elaborasse um dossier com todos os elementos que considerasse pertinentes". O objetivo era apurar se havia razões para instaurar um inquérito disciplinar a Evangelista.
Com este juiz sob escuta, a PJ interceta então telefonemas seus com Aragão Seia e Eliana Pinto, registando, inclusivamente, a marcação de um encontro pessoal entre aqueles dois, junto a um equipamento desportivo do Porto.
Suspeitando que Evangelista poderia estar a ser ajudado com informações reservadas do inquérito por corrupção, os investigadores providenciam a extração de certidões, para que sejam abertas investigações autónomas. O caso de Aragão Silva, por envolver um juiz conselheiro (a categoria mais alta), é investigado junto do Supremo Tribunal de Justiça.
Contudo, segundo se lê agora no despacho final do inquérito da corrupção, Aragão Seia explicou os passos dados e as razões da solicitação de um dossiê a João Evangelista, referindo-se ainda a documentação que este tinha consigo como sendo "cópias que acompanharam o despacho em que foi ordenada busca domiciliária" ao arguido. Por conseguinte, as suspeitas de violação de segredo de justiça seriam arquivadas.
No CSTAF, a empreitada de Aragão Silva e Eliana Pinto não resultou na abertura de processo disciplinar contra João Evangelista. Embora suspeito de corrupção, este juiz foi movimentado do TAF de Aveiro para o do Porto, em 10 de novembro de 2020, e só seria alvo de processo disciplinar a 4 de novembro de 2021, após o CSTAF receber de Coimbra o despacho da acusação por corrupção e outros crimes. Quatro dias depois, por proposta do instrutor do processo disciplinar, Evangelista foi suspenso preventivamente de funções.
O processo
11 arguidos acusados
A acusação deduzida pelos procuradores Manuel Fernando Gonçalves e Filipe Preces, da Procuradoria-Geral Regional de Coimbra, visa João Evangelista, o ex-autarca de Oliveira de Frades Luís Vasconcelos, o empresário Gumercindo Lourenço e oito empresas deste.
Consultor e toupeira
A acusação visa sobretudo João Evangelista e Gumercindo Lourenço, sustentando que aquele juiz trabalhava para as empresas do segundo como se fosse seu consultor jurídico. Dentro dos tribunais e do seu sistema informático, seria uma espécie de "toupeira" de Gumercindo, que tem tido inúmeros processos, na jurisdição administrativa e fiscal como na criminal.