O Ministério Público (MP) insistiu, esta sexta-feira, que o ex-diretor de Fronteiras de Lisboa do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), António Sérgio Henriques, e outros quatro arguidos têm de ser julgados pelo seu alegado envolvimento na morte do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk, no aeroporto de Lisboa.
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Já as defesas pugnaram pela ilibação de todos os acusados ainda na fase de instrução em curso. A decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, está agendada para a próxima sexta-feira, 22 de setembro de 2023, às 10 horas.
Ihor Homeniuk, de 40 anos, asfixiou lentamente até à morte, a 12 de março de 2020, no Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária (EECIT), depois de ter sido espancado e abandonado algemado por três inspetores do SEF, já a cumprir uma pena de nove anos de prisão por ofensa à integridade física qualificada, agravada pelo resultado de morte.
Na sequência do julgamento, outras cinco pessoas foram posteriormente acusadas pelo MP pelo seu alegado envolvimento na morte do cidadão ucraniano, das quais duas requereram a instrução, para tentar impedir a ida a julgamento. Entre estas últimas, está o então diretor de Fronteiras de Lisboa do SEF.
"Salvo melhor opinião, nas diligências realizadas não foram recolhidos quaisquer indícios que abalem a tese da acusação", afirmou esta sexta-feira, no debate instrutório deste segundo processo, o procurador Óscar Ferreira.
Entre outros aspetos, o magistrado apontou contradições no depoimento de António Sérgio Henriques, acusado de um crime de denegação de justiça e prevaricação, por ter, segundo a acusação datada de março de 2023, omitido à então diretora do SEF, Cristina Gatões, que Ihor Homeniuk "fora algemado com as mãos atrás das costas e mantido deitado num colchão, em posição de decúbito lateral, por um período de oito horas e sem vigilância".
"Não é possível que o diretor de um serviço que se depara com a morte de um cidadão sob a sua custódia não tente indagar [o que aconteceu]", sublinhou, esta sexta-feira, Óscar Ferreira.
"Como é que se explica?"
Pouco antes, António Sérgio Henriques afirmara que, aquando do incidente, julgava que o óbito de Ihor Homeniuk tinha sido "normal", precisando que as diligências que, na altura, fez para perceber quem contactara com a vítima durante a sua permanência entre 10 e 12 de março de 2020 no EECIT visaram apenas completar os relatórios sobre o sucedido, incluindo o documento interno elaborado por seguranças daquele centro.
O ex-dirigente terá tomado conhecimento de que Ihor Homeniuk tinha sido algemado somente após o óbito, na noite de 12 de março de 2020, e alega que, à data, não sabia que este tinha assim estado durante oito horas. No total, terá, logo nessa noite, participado na elaboração do primeiro relatório durante cerca de 40 minutos, dentro do próprio EECIT.
"Como é que logicamente se explica que [...] entre as 20.40 e e as 21.20 horas alguém lhe tenha transmitido informação muito relevante para que, na cabeça dele, se montasse a cabala para varrer isto para debaixo do tapete?", questionou, esta sexta-feira, a sua advogada, Filipa Pinto, pugnando pela ilibação do seu cliente.
Para o MP, o objetivo de António Sérgio Henriques seria proteger os três inspetores do SEF entretanto condenados pela morte do cidadão ucraniano, o que antigo diretor de Fronteiras de Lisboa nega.
"É o gigante e o anão"
Além de António Sérgio Henriques, são ainda arguidos neste segundo processo mais dois funcionários do SEF e dois seguranças do EECIT. Os primeiros estão acusados de homicídio negligente por omissão, por se terem, presumivelmente, conformado com a morte de Ihor Homeniuk ao não terem comunicado aos seus superiores que este fora deixado algemado com as mãos atrás das costas nem diligenciado para que a restrição cessasse.
Já os vigilantes são suspeitos de, a certa altura, terem manietado os pés e as mãos do cidadão ucraniano com fita adesiva, respondendo por um crime de exercício ilícito da atividade de segurança privada em "concurso aparente" com um de sequestro. Um destes últimos, Manuel Correia, pediu igualmente a abertura de instrução, tendo o seu advogado pugnado, esta sexta-feira, também pela sua ilibação já nesta fase.
"É o gigante e o anão: os vigilantes apenas obedecem aos inspetores. As únicas pessoas que tiveram alguma sensibilidade [perante a situação do Ihor Homeniuk] foram os vigilantes", alegou Amândio Madaleno, lembrando que o testemunho dos seguranças, incluindo o do seu cliente, foi essencial para a condenação, no primeiro julgamento do caso, dos três inspetores do SEF que se encontram a cumprir pena na prisão de Évora.
Apesar de não terem requerido a instrução - uma fase facultativa na qual um juiz decide se a acusação do MP tem condições para seguir para julgamento -, os defensores dos restantes três arguidos pediram, igualmente, a ilibação dos seus clientes. A decisão da juíza Carina Realista Santos, do Tribunal Central de Instrução Criminal, é conhecida daqui a uma semana.