O Ministério Público pediu, esta quarta-feira, uma pena próxima dos três anos de prisão efetiva para Armando Vara, a ser julgado, em Lisboa, por um crime de branqueamento de capitais no âmbito da Operação Marquês. Já a defesa pugnou pela absolvição. A decisão do Tribunal Central Criminal de Lisboa é conhecida a 13 de julho.
Corpo do artigo
Nas alegações finais do julgamento iniciado há duas semanas, o procurador Vítor Pinto considerou que ficou "suficientemente demonstrado" que o ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos acumulou "um total de cerca de dois milhões de euros" não declarados numa offshore no Panamá e da qual transferiu, mais tarde, 535 mil para uma sociedade que controlaria em Portugal. Esta comprou depois por 390 mil euros, em 2009, um apartamento em Lisboa que pertencia à filha do próprio Armando Vara.
Antes de entrar em território nacional, o montante terá passado por três sociedades sediadas nas Seychelles, no Chipre e na Irlanda, todas sem qualquer ligação oficial ao arguido.
Para Vítor Pinto, Vara "quis esconder" aqueles rendimentos para que "não fossem confiscados" e branqueou-os "de forma efetiva e sofisticada". E sustentou que, em situações em que os arguidos estão "socialmente integrados" e não têm "dificuldades económicas", "só a prisão efetiva poderá ser suficientemente dissuasora da prática criminosa".
Embora o crime de branqueamento seja punível, em abstrato, com até 12 anos de prisão, Vara, de 67 anos, só poderá neste caso, e segundo o procurador, ser condenado, no máximo a três anos de cadeia, o limite superior do crime de fraude fiscal que o precede e pelo qual não está, por já ter prescrito, a ser julgado. As declarações e anotações do ex-gestor financeiro do arguido na Suíça, Michel Canals, e a "confissão" de Vara na instrução da Operação Marquês, para refutar a acusação de que fora subornado, de que recebera no estrangeiro rendimentos que não declarara foram algumas das provas invocadas pelo Ministério Público para considerar que os factos ficaram demonstrados.
Só quis "esconder da filha"
Para o advogado de Vara, Tiago Rodrigues Bastos, não estão, porém, cumpridos os "pressupostos" para a prática de um crime de branqueamento, uma vez que o seu cliente "não tinha consciência" de que os rendimentos que admitiu ter recebido no estrangeiro por trabalhos de consultadoria eram "ilícitos". E alegou que o ex-gestor da Caixa Geral de Depósitos só repatriou 535 mil euros para Portugal, "de forma sofisticada" e através de um mecanismo que desconhecia, para "esconder da filha" que era ele quem estava a comprar o apartamento desta.
O causídico argumentou ainda que, face à legislação em vigor, a informação obtida com recurso a cartas rogatórias para a Suíça não podem ser usadas como prova. Deixou, igualmente, farpas à pronúncia (acusação após a instrução do processo) de Vara por branqueamento de capitais, que classificou como "inepta". Em causa, o facto de, no seu entender, esta não precisar quais são os factos que justificam o crime de fraude fiscal que permitem o atual julgamento do ex-gestor do banco público.
Tiago Rodrigues Bastos pediu, por isso, a absolvição do arguido, apelando a que, caso o tribunal entenda que existe motivo para uma condenação, a sua pena não seja prisão efetiva.
"O que é que este homem terá feito que desperta tanto ódio no Ministério Público?", desabafou o advogado.
Julgado em três sessões
Vara cumpre, desde 2019, uma pena de cinco anos de prisão por tráfico de influência a que foi condenado pelo Tribunal de Aveiro no âmbito do processo Face Oculta e fora inicialmente acusado pelo Ministério Público, em 2017, de cinco crimes no âmbito da Operação Marquês. Destes, quatro acabaram por cair no final da instrução, a 9 de abril de 2021, por decisão do juiz Ivo Rosa.
Na ocasião, o magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal optou ainda por mandar julgar em processos separados Vara, o ex-presidente do Banco Espírito Santo, Ricardo Salgado, e João Perna, antigo motorista do ex-primeiro-ministro José Sócrates, por crimes diversos. Já o antigo governante vai a julgamento com Carlos Santos Silva, empresário e seu amigo de longa data, pela alegada prática, em coautoria de três crimes de falsificação de documento e três crimes de branqueamento de capitais.
No total, estavam acusados 28 arguidos, mas 23 foram ilibados por Ivo Rosa de todos os crimes. Os restantes cinco serão julgados por menos crimes do que aqueles de que tinham sido acusados. O Ministério Público vai recorrer da decisão, mas tal não impediu o agendamento dos julgamentos de Vara e de Salgado, este último com início marcado para 6 de julho de 2021.
Ao todo, bastaram três sessões para que Vara - que abdicou de prestar declarações perante o coletivo de juízes presidido por Rui Coelho - fosse julgado. A leitura do acórdão está agendada para o próximo dia 13 de julho de 2021, às 9.30 horas, em Lisboa.