Após 18 julgamentos por crimes semelhantes em que escapou com multas e penas suspensas, juíza de Vila Verde condenou-a a 80 dias de cadeia por reincidir no "comportamento delituoso".
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O Tribunal de Vila Verde condenou a 80 dias de prisão efetiva uma mulher de 46 anos que insultou duas assistentes sociais por email e no Facebook, classificando-as como "incompetentes", "ladras", "invejosas", "criminosas" e "cabras". A juíza não lhe suspendeu a pena, dado que a arguida já tinha sido julgada 17 outras vezes por crimes vários entre os quais os de difamação e injúria agravada escapando sempre à prisão.
"Tendo já sido condenada em penas de multa, penas de prisão substituídas por multa e suspensas na sua execução, com regime de prova, isso não a impediu de reafirmar o seu comportamento delituoso", justificou a juíza, notando que a arguida nem no julgamento apareceu por achar que continuaria impune. Terá, ainda, de pagar 500 euros a cada uma das ofendidas.
pEDIDO DE APOIO
O caso que deu origem à pena de prisão pelo crime de difamação aconteceu em julho de 2018. A arguida efetuou um pedido de apoio social junto da Casa do Povo de Ribeira do Neiva, mas não apresentou a documentação necessária à sua instrução, o que inviabilizou a sua avaliação e, consequentemente, originou a emissão, pelas duas técnicas, de um parecer desfavorável.
Indignada com o desfecho, a mulher remeteu um email para a Casa do Povo e para diversas instituições e organismos públicos, com o título "incompetência e falsidade das técnicas" no qual se lia: "Exmos. senhores: Sendo as técnicas da casa do povo de Ribeira do Neiva, incompetentes, ladras, invejosas e criminosas, eu participei às autoridades o crime de falta de auxílio de alimentos a mim e ao meu filho, portanto, estando em litígio, agradeço que providencie outras técnicas para o meu atendimento de amanhã as 9.30 ou serão os responsáveis pelos meus atos e relembro que as cabras têm toda a documentação necessária a todos os meus pedidos".
Usou depois a rede social Facebook, no fórum "Vila Verde em notícia", onde escreveu: "(...) As técnicas da Casa de Ribeira do Neiva (...) devem ser despedidas e fiscalizado e retirado de imediato este financiamento europeu; elas não dão o obrigatório cabaz semanal às pessoas, e o que andam a fazer é desumano, e todos devem visitar a loja social de Vila Verde para ver os alimentos que armazenam... e perguntem aos carenciados que alimentos lhes dão! Muito se rouba em Vila Verde e sempre ao pobre, ao pobre, ao pobre.... Se os financiamentos europeu e do Estado fossem pequenos, eles não o queriam gerir e controlar".
O advogado de defesa, João Araújo Silva, disse ao JN que vai recorrer, alegando que a mulher é doente do foro psiquiátrico, sofrendo de perturbações mentais e comportamentais, com perturbação funcional muito grave, regressão da personalidade e profunda modificação dos padrões de comportamento. Tem, por isso, um atestado de incapacidade de grau 5. "Uma pessoa assim doente não pode ir para a prisão, tem de ser tratada", afirma.
Crimes
Ofensa, difamação, injúrias, dano, ameaças...
Ao longo dos anos, a mulher foi já julgada 18 vezes, pela prática de seis crimes de ofensa a pessoa coletiva, organismo ou serviço, dez crimes de difamação agravada, 17 de injúria agravada, três de dano, um de lançamento de projétil contra veículo, um de resistência e coação sob funcionário, três de desobediência, um de desobediência qualificada, quatro de ofensa à integridade física e três de ameaça agravada. Quando foi condenada teve apenas de pagar multas ou viu a pena ser suspensa.
Pormenores
Mãe "ambivalente"
A arguida - diz o Tribunal - reside com o filho, de 17 anos (embora a guarda seja do progenitor). É "ambivalente quanto ao seu papel de mãe, manifestando afeto e preocupação, mas considerando, por outro lado, que a maternidade lhe limitou a liberdade".
Alega incapacidade
O Tribunal diz que "escudando-se numa incapacidade permanente e subsistindo de apoios sociais, a arguida manifesta conhecimento dos seus direitos, persistindo, no entanto, em relativizar os deveres da vida em comunidade (...) entrando facilmente em rutura e agindo de modo hostil".
GNR anula queixa
O processo envolvia, por motivos idênticos, o comandante da GNR de Vila Verde, mas este desistiu da queixa.
O que pode ser crime
Stalking
Introduzido em 2015, o crime de "stalking" traduz-se por uma perseguição ou assédio persistente com o objetivo de provocar medo ou inquietação a alguém. Pode ser praticado por vários meios, no caso de mensagens através das redes sociais, trata-se de ciberstalking. A pena vai até aos três anos de prisão.
Ofensas à honra
Ao amplificar conteúdos, as redes sociais potenciam eventuais casos de difamação, injúria e ofensas, bem como a divulgação de conteúdos suscetíveis de ofender a honra de pessoas e instituições. Estes crimes são punidos com pena de prisão até seis meses ou multa até 240 dias. Se forem utilizados meios que facilitam a divulgação, como as redes sociais, as penas são elevadas em um terço.
Devassa da vida privada
Comete o crime quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, fotografe, grave ou divulgue factos da vida privada, conversas ou imagens de pessoas, objetos ou espaços íntimos. Dá-se, por exemplo, ao publicar fotografias de pessoas em roupa interior ou despidas ou ainda a divulgação de uma chamada telefónica gravada sem consentimento. Pode dar prisão até um ano ou multa até 240 dias.
Direito à imagem
Traduz-se no direito a não ser fotografado ou filmado, mas também a não ver divulgada ou usada uma sua fotografia ou vídeo. Mesmo que a imagem tenha sido publicada pelo próprio no seu Facebook e esteja acessível a todos, comete o crime de gravação e fotografia ilícita quem a descarregar, divulgar ou usar sem consentimento. Do mesmo modo, para publicar numa rede social uma fotografia, ainda que obtida licitamente, é necessário obter consentimento do retratado. O crime é punido com prisão até um ano ou multa até 240 dias.
Outros casos
fafe - Criou conta falsa para gozar com conhecida
Em 2009, um professor de Educação Física de Fafe decidiu criar uma conta falsa na rede social Hi-5 para gozar com uma conhecida com quem tinha tido uma desavença. Identificou a página com a foto da visada a quem deu o nome de "vaca" e publicou vários conteúdos para a denegrir. A página esteve visível durante quase um mês. O homem foi condenado por difamação agravada e sentenciado a pagar 2240 euros de multa e uma indemnização de 6500 euros à vítima que era uma conhecida advogada e candidata à vereação da Câmara de Fafe.
beja - A culpa era da "burra da presidente"
Em agosto de 2016, a União de Freguesias de Albernoa Trindade, Beja, queixou-se no Facebook da existência de galinhas e cavalos nos espaços públicos que estariam a danificar os jardins. No dia seguinte, um homem respondeu: "A galinha é minha, a égua é dos ciganos, a relva essa é da responsabilidade da União de Freguesias. É triste ter de ser as minhas galinhas, a égua dos ciganos, a ovelha do Manuel, a cabra do Xico, a tratar da manutenção dos espaços verdes da nossa aldeia porque a burra da presidente essa não o faz, essa trata de outros espaços "Vermelhos" e está-se a cagar para o resto", escreveu. A presidente apresentou queixa e o homem foi condenado a pagar 1200 euros por difamação agravada. Em 2018, a Relação absolveu-o considerando que apenas quis um "efeito literário ao texto" e que o qualificativo "burra" fora usado "de forma isolada e lateral", como "crítica política" e não ofensa.
barcelos - Processada por festejar divórcio
Uma mulher de Barcelos publicou no Facebook o comentário: "A festejar a liberdade!!.. Livrei-me de um invecil [sic]!... Segundo ano". O ex-marido sentiu-se atingido na honra e processou-a por difamação e o Ministério Público acompanhou-o, mas na instrução um juiz decidiu não prosseguir com o caso e a Relação manteve a decisão. "Não obstante se reconhecer que se trata de um vocábulo desagradável, indelicado e pouco cortês, e que, noutras circunstâncias, pode ter subjacente uma carga ofensiva, podendo até configurar a prática de um crime, o certo é que, naquele concreto contexto, a expressão em causa não tem a virtualidade de alcançar um patamar mínimo de gravidade que lhe confira dignidade penal", justificaram os juízes.
porto - Condenado por acusar ex-sócios de roubo
Um empresário fez várias publicações em que acusava dois ex-sócios de o terem roubado em Angola e de fazerem tráfico de pessoas. Os visados processaram o autor das críticas e este acabou condenado a pagar 1200 euros de multa e mil euros de indemnização a cada um dos ofendidos, em 2017.
vila verde - Militar da GNR ofende juíza e procuradores
É militar da GNR local e usou o Facebook para insultar uma juíza de Vila Verde e dois procuradores da República. Esteve em prisão preventiva, mas está, agora, em domiciliária. Terá dirigido à juíza expressões intimidatórias - partilhando a sua fotografia de perfil - o que levou a magistrada a temer pelas suas liberdade de ação, vida e integridade física, e provocando-lhe um sentimento de insegurança, intranquilidade e medo, afetando a sua paz individual".