Mulher que recebeu 788 mil euros por engano da Segurança Social recorreu da decisão
A delegada de informação médica de Matosinhos que foi condenada pelo Tribunal da Relação do Porto por se ter apropriado de cerca de 40 mil euros dos 788 mil que recebeu, por engano, da Segurança Social recorreu da decisão para o Supremo Tribunal de Justiça a 24 de novembro.
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A arguida foi condenada numa pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução durante dois anos e meio. Decisão que foi confirmada recentemente pelo Tribunal da Relação do Porto que condenou ainda a arguida a pagar 39.942,37 euros, acrescidos de juros de mora, ao Instituto da Segurança Social, por danos patrimoniais. Metade da indemnização terá de ser paga durante a suspensão da pena, em mensalidades de 666 euros.
"Não concordamos [com a decisão]. É tudo baseado em mentiras e factos não provados. É tão indigno. A minha mulher nunca teve uma dívida ao Fisco nem à Segurança Social. Nós sempre quisemos devolver o dinheiro", assegurou, esta terça-feira, ao JN, o companheiro da arguida, que se queixou de ter tido uma "má defesa" durante o julgamento em primeira instância. Por causa de todo o processo, a mulher teve necessidade de recorrer a apoio médico especializado, com recurso a psicofármacos para controlo da ansiedade. Apesar de ter poucas esperanças de que o Supremo vá aceitar o recurso, o casal admite avançar com uma ação contra o Estado quando todo o processo terminar.
Tal como o JN noticiou na segunda-feira, o Tribunal da Relação do Porto considerou provado que a arguida “utilizou em seu proveito parte da quantia creditada por erro na sua conta bancária” e que, quando interpelada pela instituição, se “recusou a restituir o valor que sabia não lhe pertencer”.
Dois meses para reagir
O caso remonta a 12 de fevereiro de 2021, quando uma funcionária dos serviços financeiros do Instituto da Segurança Social, no Centro Distrital do Porto, se enganou a digitar os números e transferiu para a conta bancária da arguida 788.088 euros, em vez de 788,80, referentes a prestações de doença e desemprego.
Sabendo que não lhe era devido tanto dinheiro, a mulher alertou, a 17 de fevereiro, a Segurança Social e o banco, que nada fizeram de imediato. "Não me responsabilizo por tal transferência e pela quantia, seja a que título for, não me responsabilizando, igualmente, por qualquer custo bancário ou outro que daí advenha”, escreveu a arguida em e-mail para o Instituto da Segurança Social cinco dias depois de lhe ter caído a fortuna na conta.
Por motivos não apurados no processo, a mensagem enviada à Segurança Social pela arguida apenas em 6 de abril foi reencaminhada para o endereço de correio eletrónico do Centro Distrital da Segurança Social do Porto e só a 7 de abril, quase dois meses depois de ter comunicado o erro, a mulher foi contactada pela diretora do Departamento de Gestão e Controlo Financeiro da Segurança Social, que lhe solicitou a imediata restituição da quantia total em causa.
A arguida propôs devolver 638.080 euros a título imediato e os restantes 150 mil em prestações mensais, iguais e sucessivas. Mas a Segurança Social rejeitou a proposta, por “não se tratar de pagamento de dívida em prestações, mas sim da devolução de quantia que não lhe pertencia”.
Entretanto, a Segurança Social conseguiria recuperar 748.137,63, por ação judicial, mas ficaram a faltar 39.942,37 euros, valor que levou a arguida a ser condenada por um crime de apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa achada.
Inconformada, a mulher recorreu para a Relação, alegando que sempre pretendeu devolver o dinheiro e que não se demonstrava preenchido “o elemento objetivo” do crime em causa. Disse também que estava inserida na sociedade, tinha boa estrutura familiar, era trabalhadora e não tinha antecedentes criminais.
Mas a Relação negou provimento ao recurso. Na decisão, de 25 de outubro, as juízas desembargadoras Eduarda Lobo, Paula Guerreiro e Lígia Trovão recordaram que a arguida poderia ter evitado o processo judicial, “se tivesse oportunamente restituído integralmente ao Instituto da Segurança Social” o dinheiro, que entrou na sua “esfera patrimonial por facto alheio à sua vontade e sem qualquer proatividade da sua parte”.
Aberto inquérito
Em junho de 2021, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social abriu "um inquérito urgente" para apurar os "factos e eventuais responsabilidades, bem como a realização de uma auditoria aos mecanismos de controlo interno implementados para controlo do pagamento de prestações e apoios sociais". Foi também implementado um sistema automático que impeça situações como esta.