A dona de um papagaio queixou-se de um advogado de Lisboa à respetiva Ordem profissional, depois de o mesmo ter exigido uma recompensa de 25 mil euros, que mais tarde baixou para dois mil, se quisesse de volta a ave, Buzz, desaparecida quatro meses antes. O advogado alega que se limitou a representar um cliente, que tinha encontrado o papagaio, mas a mulher, residente em Cascais, acusa-o de compactuar com o "sequestro" do animal.
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O caso remonta a 26 de agosto de 2022, quando Maria E., ex-administrativa de 58 anos, passeava com suas aves exóticas na Praia da Rainha, em Cascais. "Havia vários helicópteros a passar, bem como um drone, e isso causou um grande alvoroço nas gaivotas. Acabei por perder o controlo da situação e o papagaio fugiu-me", conta, ao JN. À tarde, foi-lhe dito que Buzz estava numa árvore do Parque Marechal Carmona, a dois quilómetros. "Quando cheguei, o Buzz ficou numa felicidade extrema", diz.
Supondo que a corrente de Buzz estivesse emaranhada na árvore, Maria ligou para os bombeiros. Quando estes chegaram, o bicho assustou-se com o aparato e fugiu. Mas a dona não desistiu dele.
Distribuiu 150 mil "flyers"
"Imprimi mais de 150 mil "flyers", que distribuí em mãos, via CTT, ou colava. Corri Colares, Malveira, Murche, Parede, Guincho, Sintra e Estoril à procura, e nada". Os primeiros "flyers" não referiam uma possível recompensa. "No entanto, algumas pessoas diziam-me que tinha de encarar a realidade e colocar essa indicação. Caso contrário, quem teria ficado com o papagaio não iria devolvê-lo. E assim fiz, mas sem indicar um valor", relata.
Maria recebia chamadas diárias, com indicações de avistamentos, que se revelavam falsas. Até que, a 12 de dezembro, foi surpreendida por uma mensagem no WhatsApp: "Boa tarde, sou advogado. Chamo-me Pedro Ascensão e tenho informações sobre um papagaio perdido e instruções para proceder a devolução do mesmo contra a recompensa anunciada".
Maria desconfiou, até receber uma foto da corrente e pulseira da ave. Mas, para a reaver, teria de pagar 25 mil euros. "O advogado disse-me que era o valor que constava num panfleto digital. Questionei onde tinha visto esse "flyer", mas ele disse que não me podia dizer, que era segredo entre ele e o seu cliente", alega.
Maria foi ao escritório do advogado dizer que não tinha tanto dinheiro. Contrapôs com mil euros, sem êxito. Mais tarde, a mulher recebeu uma mensagem: "O meu cliente pede dois mil euros. Acha bem?". Maria foi ao banco, entregou as notas e o advogado devolveu-lhe o Buzz, no centro de Cascais.
Ao JN, o advogado, Pedro Ascensão, diz ser "absolutamente falso" que ele próprio tivesse retido a ave. Alega que, em dezembro, foi contactado por um cliente - que disse que tinha papagaio - e seguiu instruções tendo em vista a devolução da ave a troco de recompensa. "Eu não lhe pedi 25 mil euros, apenas referenciei o anúncio dos 25 mil euros. A senhora tinha-se oferecido para oferecer uma recompensa, mas o meu cliente achou que não era suficiente. Depois, chegamos a um acordo. Não lhe posso dizer muito mais, por uma questão de sigilo", finalizou.
Na queixa que apresentou este mês ao Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados, Maria Estrada diz que o procedimento de Pedro Ascensão foi "cruel e inumano e desalinhado do enquadramento da lei". Acrescenta que o jurista compactuou com o "sequestro" do animal e tentou, "de forma incongruente, oficializar um crime".
Saiba mais
Buzz era do filho
Na queixa ao Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados, Maria Estrada refere que o papagaio Buzz era uma "extensão de sentimentos e emoções ímpares", pois herdou-o do seu filho, falecido há três anos.
Ave voltou diferente
Maria alega que Buzz lhe foi devolvido "visivelmente mais magro, manifestando receio, tremores corporais permanentes e assombro a todos e quaisquer movimentos". Diz que deixou de ser comunicativo e rejeita a proximidade de pessoas, algo que não acontecia.
Foi à Polícia Judiciária
Depois de se encontrar com o advogado e ainda sem acordo, Maria foi à PJ. Aconselharam-na a queixar-se antes à PSP, mas, temendo que isso levasse ao desaparecimento de Buzz, recuou.
Prisão até 1 ano
O Código Penal diz que "quem se apropriar ilegitimamente de coisa ou animal alheios que tenham entrado na sua posse (...) por efeito de força natural, erro, caso fortuito ou por qualquer maneira independente da sua vontade é punido com prisão até um ano ou multa até 120 dias". Na mesma pena "incorre quem se apropriar ilegitimamente de coisa ou de animal alheios que haja encontrado."
Tutora de quatro aves
Maria Estrada também é tutora de quatro aves exóticas: um papagaio-do-congo, uma catatua alba e duas araras