O Parlamento prepara-se para alterar a lei por causa do crime de perseguição ("stalking"), a fim de permitir que os suspeitos sejam impedidos, por decisão judicial, de contactarem ou se aproximarem das vítimas antes de serem condenados.
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O primeiro projeto de lei é do PCP e deu entrada esta semana na Assembleia da República. O PS e o BE também já estão a preparar idêntica iniciativa, o que garante a aprovação da mudança.
Atualmente, a lei só permite a proibição e imposição de condutas aos perseguidores após a condenação em julgamento transitar em julgado, a título de sanção acessória. Até à decisão definitiva, que pode demorar anos, as vítimas ficam completamente desprotegidas, pois nada impede que os arguidos por perseguição as voltem a contactar. E, mesmo que os procuradores do Ministério Público promovam a medida de coação de afastamento dos suspeitos, os juízes não a podem aplicar.
Isto acontece porque o crime de perseguição, previsto no Código Penal desde 2015, só prevê pena máxima de prisão até três anos. Para que a medida de coação de proibição de condutas seja aplicada, é requisito legal que o ilícito em causa tenha moldura penal superior a três anos ou que a lei preveja a exceção.
Agora, vários partidos querem criar uma norma no Código de Processo Penal que transforma o "stalking" em exceção. Ou seja, a pena máxima pelo crime mantém-se nos três anos, mas o crime passa a ser incluído naqueles que permitem proibir contactos de agressor com vítima, a título de medida de coação.
medida não deve ser adiada
No projeto de lei do PCP, lê-se que a falta de medidas preventivas leva a que a perseguição possa persistir até à sentença condenatória "com consequências dramáticas para as vítimas, que não encontram na lei a proteção que lhes é devida". Assim, o PCP considera que "a adoção dessa medida legislativa não deve ser adiada", pois "o número de casos de stalking tem vindo a aumentar, e em todos os casos há vítimas que têm de ser protegidas dos agressores através das medidas preventivas adequadas".
Esta lacuna na lei foi denunciada há um mês pelo JN, dando voz à insatisfação de procuradores do Ministério Público, juízes e ofendidos. Desde que foi criada, em 2015, a lei manteve-se com a falha que desprotege as vítimas. Um mês após a denúncia, surge a primeira iniciativa para pôr cobro à falha.
psd e pev não respondem
A propósito desta polémica, o JN confrontou os grupos parlamentares do PCP, CDS, PE e BE. O PSD e o PEV não responderam. O PS informou estar a finalizar uma avaliação da proteção das vítimas, da qual resultarão iniciativas para prever a "possibilidade de antecipar a aplicação" de proibição de contactos com as vítimas. A expectativa é que o projeto de lei dê entrada em fevereiro.
No mesmo sentido, o BE considera ser "uma alteração de inteira justiça", pois "é importante tirar o quanto antes o arguido da esfera da vítima". Está a elaborar um projeto de lei que "deverá estar concluído no mês de maio", por ocasião do Dia da Mulher.
Já o CDS, através da deputada Vânia Dias da Silva, diz concordar com a correção da falha na lei, mas prefere incluí-la num "pacto da justiça", tratando também outras "lacunas, falhas e desarmonias" no sistema penal.
Mais casos em 2018
O ano de 2018 foi aquele em que mais inquéritos foram abertos pelo Ministério Público, por crime de perseguição. Até 13 de dezembro, já tinha sido batido o recorde de processos, num total de 654. O número é superior aos 648 iniciados no ano anterior (2017) e bem longe dos 476 inquéritos em 2016, primeiro ano completo com a lei em vigor.
Agravamento
Após a entrada em vigor da nova lei, será possível o agravamento de medidas de coação, decretando-se proibição e imposição de condutas para quem, atualmente, já seja arguido. Têm de existir fortes indícios do crime. E a alteração às medidas de coação tem de ser promovida por uma das partes no processo, seja a vítima ou o Ministério Público.
Mudança através das medidas de coação
A alteração da lei quanto ao crime de perseguição vai fazer-se por via do Código de Processo Penal, no artigo 200.º, que prevê a "proibição e imposição de condutas". Este artigo dispõe que, no caso de existirem fortes indícios de crime, o juiz pode impor ao arguido medidas restritivas. Entre essas medidas de coação está, por exemplo, a proibição de permanência em determinada localidade, na residência onde o crime tenha sido cometido ou onde habitem os ofendidos, seus familiares ou outras pessoas.
Há ainda a proibição, imposta ao arguido, de se ausentar para o estrangeiro, a proibição de contactar com determinadas pessoas ou frequentar certos lugares ou certos meios, o impedimento de adquirir armas ou a possibilidade de sujeitar-se, mediante prévio consentimento, a tratamento de dependência de que padeça e tenha favorecido a prática do crime.
Atualmente, estas proibições e imposições só são passíveis de aplicação a suspeitos de terem cometido crimes puníveis com prisão superior a três anos. Com a alteração da lei, de acordo com o projeto do PCP, será aditado o número 5 ao artigo 200.º do Código de Processo Penal.
Esta nova norma definirá que as medidas acima identificadas "são aplicáveis ao crime de perseguição, assumindo a respetiva promoção caráter urgente, podendo ser dispensada a audiência prévia do suspeito, caso em que, se necessário, a constituição como arguido será feita aquando da notificação da medida de coação".
Deputados ignoraram avisos há três anos
Quando inscreveram o crime de "perseguição" no Código Penal, os deputados tinham em sua posse dois pareceres que alertavam para a necessidade de salvaguardar a proibição e imposição de condutas antes do julgamento. O Conselho Superior do Ministério Público dizia que "deverá ser equacionada a possibilidade suplementar de impor a medida de coação de proibição e imposição de condutas". Também o Instituto de Direito Penal e Ciências Criminais, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, promovia um alerta no mesmo sentido. Desconhece-se os motivos que levaram os deputados de então a ignorarem os avisos.
Iniciativa
Um grupo de deputados ou grupos parlamentares submetem a iniciativa legislativa, chamada projeto de lei, à Assembleia da República.
Debate
Depois de apreciação interna, o projeto de lei é debatido na generalidade, sempre feito em reunião plenária, que termina com votação. Segue-se um debate e a votação na especialidade (artigo a artigo), que pode ser feito em plenário ou comissão especializada.
Votação e publicação
Finalmente, o texto final do diploma é submetido a uma votação final global, sempre feita em plenário. A iniciativa aprovada chama-se decreto da Assembleia da República. Segue-se a promulgação do presidente da República e assinatura do primeiro-ministro.