Pena de prisão podia ir até 14 anos, mas dono de veleiro apanhado pela Marinha ainda queria menos, contestando associação criminosa.
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Um velejador intercetado ao largo da costa portuguesa com uma tonelada de cocaína, avaliada em 34 milhões de euros, foi condenado a nove anos e meio de prisão, por tráfico de estupefacientes e associação criminosa. O arguido contestou, mas a condenação foi agora confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Provou-se que Anthony W., de 54 anos e com dupla nacionalidade (espanhola e neerlandesa), integrava um grupo organizado que se dedicava à aquisição e transporte para a Europa, por Portugal, de estupefacientes, com vista à sua entrega a terceiros, a troco de dinheiro.
Para tal, embarcou no veleiro "Mobasi", com bandeira do Suriname, com mil placas de cocaína com peso líquido de 1002 quilogramas e elevada pureza. Dirigiu-se a Portugal, mas foi intercetado pela Marinha Portuguesa a 31 de maio de 2023. O veleiro foi escoltado até à Base Naval de Lisboa, onde a Polícia Judiciária executou, no dia seguinte, mandados de busca e apreensão. Além da cocaína, o arguido trazia MDMA (ou ecstasy), dispositivos eletrónicos de comunicação, dinheiro e criptomoedas.
Desconhecimento útil
No recurso, o arguido contestou a condenação pelo crime de associação criminosa, assim como a pena única aplicada em 2023 pelo Tribunal Central Criminal de Lisboa. Mas a Relação concluiu que o facto de o arguido ter feito "uma viagem de longa distância, tripulando um veleiro de que é proprietário, com uma carga tão ilícita quanto valiosa, que lhe foi entregue em pleno alto mar, pressupõe a montante uma sofisticação de meios que permitem afirmar estar presente uma organização com caráter de perenidade, avultados recursos logísticos e económicos."
“O ideal seria conseguir explicar toda a teia organizativa subjacente aos factos conhecidos”, disse a Relação, embora acrescentando: “Porventura, nem o arguido a conhece em pormenor, pois essa é, precisamente, uma das razões pelas quais se formam associações, grupos ou organizações criminosas, caracterizadas pela divisão de tarefas, as mais das vezes com uma repartição tal, que visa limitar o conhecimento por parte de todos os seus intervenientes de todos os seus pormenores, no que é, precisamente, uma forma de ‘proteção’ perante a eventualidade, como sucedeu, de algo não correr bem (na ótica da pretensão criminosa)", justificou.
Quanto ao cúmulo jurídico, que “permitia uma pena de 14 anos de prisão e, no seu mínimo, sete anos de prisão”, o tribunal considerou "adequados os fundamentos para a fixar ligeiramente abaixo da medida média contida na moldura abstrata”.
Pormenores
Sem ligação lusa
O arguido nasceu em Barcelona, Espanha, mas também é cidadão dos Países Baixos. Não tem familiares, amigos ou emprego em Portugal, onde, segundo a Relação de Lisboa, só se deslocou para os crimes. É casado com uma cidadã brasileira, com quem mantém uma relação há 11 anos. Tem uma filha de 26 anos de uma relação anterior.
Operação Mónaco
A Operação Mónaco, como a PJ a designou, teve a colaboração da Drugs Enforcement Administration (DEA), dos EUA, da Direction Nationale du Renseignement et des Enquêtes Douanières (DNRED), de França, e do Maritime Analisys and Operations Centre - Narcotics (MOC-N), com sede em Lisboa.