O Governo quis desincentivar bebidas açucaradas, mas criou fenómeno criminal "bastante difícil de controlar", constata a GNR.
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A GNR apreende todas as semanas mais de mil litros de bebidas, alcoólicas ou não, que provêm de contrabando. As redes criminosas que vivem deste tráfico aproveitam normalmente as destilarias legais para desviar milhares de garrafas e vendê-las no mercado paralelo. A Unidade de Ação Fiscal (UAF) da Guarda, que, desde 2017, apreendeu 222 mil litros de bebidas, totalizando mais de 1,5 milhões de euros em mercadoria, está agora a braços com um novo fenómeno: o contrabando de bebidas não alcoólicas, importadas de Espanha.
Em 2017, foi introduzido no Código dos Impostos Especiais de Consumo um novo imposto sobre as bebidas adicionadas de açúcar ou outros edulcorantes. A medida governamental visou desincentivar o consumo de bebidas açucaradas, por um lado, e incentivar a indústria a reduzir o teor calórico destas bebidas, por outro. Mas veio criar um novo contrabando.
"Este novo fenómeno é bastante difícil de controlar. Ao contrário de outro tipo de mercadoria, que tem de ser declarada, estas bebidas passam despercebidas nas alfândegas. É, de facto, de muito difícil controlo, porque não há nada que diferencie os produtos que pagaram os impostos nacionais e os que não pagaram", explicou ao JN uma fonte da UAF, que, este ano, já deu um duro golpe neste novo tipo de tráfico.
Sete pessoas lucram meio milhão
48 arguidos foram constituídos, entre 2017 e 2020, por contrabando de bebidas. Os distritos onde ocorreram mais apreensões foram os de Aveiro (344), Lisboa (340) e Porto (221).
A 5 de maio, após uma investigação de ano e meio, a GNR apreendeu mais de 63 mil litros de bebidas não alcoólicas e desmantelou uma rede que as vendia no mercado paralelo em Lisboa, Setúbal e Santarém. Os indivíduos compravam quantidades avultadas destas bebidas em Espanha, em regime de suspensão de imposto, para as introduzir de forma fraudulenta em Portugal. A GNR calcula que esta rede, composta por sete pessoas e três empresas, tenham lucrado meio milhão de euros com o esquema. Estes contrabandistas também controlam circuitos de distribuição, para escoar o produto.
"Normalmente, este tipo de bebidas pode depois aparecer no comércio por grosso, em Portugal. É um problema recente, mas ao qual estamos atentos", adiantou a mesma fonte, que também mantém o foco no combate ao contrabando de bebidas alcoólicas.
De acordo com dados estatísticos fornecidos pela GNR ao "Jornal de Notícias", em média, desde 2017, a UAF apreendeu mais de 4300 litros de bebidas todos os meses, ou seja, uma média de 1090 litros por semana. Apesar do confinamento imposto pela pandemia da covid-19, só no primeiro trimestre deste ano, foram confiscados 22 mil litros de bebidas.
Aguardentes e licores no top
"Existe alguma produção caseira de aguardente, mas o grosso do fenómeno passa pelo desvio de mercadoria elaborada em destilarias autorizadas. Retiram as bebidas produzidas à margem e clandestinamente para as guardar em armazéns. Depois são distribuídas no mercado paralelo, em cafés ou outro tipo de estabelecimentos similares. Isto é claramente para fugir aos impostos", explicou a mesma fonte, acrescentando que as bebidas mais produzidas clandestinamente são a aguardente e os vinhos licorosos.
O tráfico de bebidas alcoólicas mantém-se dentro do território nacional. Em certas zonas fronteiriças com Espanha, ainda há algum contrabando, "mas tem pouca expressão", confirma fonte da UAF.
Receita fiscal mais baixa em 2020
O imposto sobre as bebidas não alcoólicas foi introduzido em 2017. Em 2020, segundo a TSF, o encaixe obtido com aquele imposto foi de 50 milhões de euros, o menor desde que a tributação existe. Começou por render ao Estado 71,4 milhões de euros em 2017, subiu ligeiramente para 72,6 milhões em 2018 e desceu para 58 milhões em 2019.