Novo PGR anuncia criação de "estrutura ágil" para arresto de bens no combate à corrupção
O novo procurador-geral da República, Amadeu Guerra, anunciou, este sábado, a criação de uma "estrutura ágil" para apoiar os procuradores com casos de corrupção nos pedidos de arresto preventivo de bens feito aos tribunais.
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"Neste tipo de criminalidade, é tão ou mais eficaz assegurar a perda de bens do que uma condenação em prisão. Por isso, é uma prioridade dinamizar e concretizar a recuperação de ativos. Será criada uma estrutura ágil - à qual será dada a formação necessária - que fica encarregada de realizar ou apoiar o titular do inquérito na inventariação dos ativos e na apresentação dos requerimentos necessários à decisão de arresto preventivo", sustentou Amadeu Guerra, ao tomar posse no Palácio de Belém, em Lisboa.
O antigo diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), no qual se investiga a criminalidade económico-financeira mais complexa, sublinhou igualmente que é sua "intenção acompanhar de perto [...] as razões dos atrasos" neste tipo de inquéritos. Há menos de três semanas, o Conselho Superior do Ministério Público tinha já aprovado uma inspeção extraordinária ao DCIAP e outros departamentos para apurar, precisamente, o porquê da morosidade de certos processos, incluindo alguns que atravessaram o seu mandato (2013-2019).
O novo líder máximo do Ministério Público, que sucede a Lucília Gago, pretende ainda envolver de "forma efetiva" nas investigações a Polícia Judiciária, aproveitando o "aumento recente dos seus meios humanos".
A violência doméstica, os crimes contra idosos e a cibercriminalidade foram as restantes áreas de investigação identificadas como prioritárias por Amadeu Guerra.
"Estou consciente que é um grande desafio liderar um Ministério Público dinâmico, atuante em questões emergentes, mobilizado no combate aos novos tipos de criminalidade, comprometido com as causas sociais, defensor da justiça ambiental, da proteção do meio ambiente e capacitado para compatibilizar a defesa da ação climática com outros interesses sociais legítimos", afirmou.
Recados ao poder político
Num discurso com perto de 15 minutos, Amadeu Guerra, de 69 anos, aproveitou ainda para deixar vários recados ao poder político, desde logo quanto à "falta de meios humanos".
"Os dados estatísticos dos relatórios da Procuradoria-Geral da República mostram que tem havido um reforço de quadro de magistrados do Ministério Público. Verifica-se que, em 2017, eram 1617 e, em 2023, 1722. Ainda assim, este aumento de mais de uma centena de magistrados é insuficiente para suprir as necessidades", sustentou, recordando que, em Portugal, os procuradores têm mais competência do que noutros países europeus e, por isso, "é enganador" comparar taxas de magistrados por habitantes.
Amadeu Guerra apelou, simultaneamente, ao Governo que "dê prioridade à revisão do Estatuto dos Funcionários da Justiça e que estabeleça mecanismos que permitam tornar a carreira mais aliciante".
O recém-empossado procurador-geral da República elegeu, por outro lado, como "linhas vermelhas" a "alteração do Estatuto do Ministério Público em violação da Constituição e da sua autonomia e independência", numa aparente resposta ao chamado "Manifesto dos 50". O texto, assinado por dezenas de personalidades, foi divulgado em junho deste ano, 2024, na ressaca das operações que fizeram cair o Governo de António Costa, primeiro, e o Governo Regional da Madeira de Miguel Albuquerque, depois, e exige uma "reforma da Justiça", sem poupar na crítica à atuação do Ministério Público.
Amadeu Guerra mostrou-se, de resto, "desfavorável" a "alterações legislativas levadas a cabo na decorrência de processos concretos, de forma precipitada". Entre estas, estará uma eventual clarificação dos prazos para que arguidos detidos sejam interrogados por um juiz de instrução. A lei fala em 48 horas, mas tal tem sido interpretado apenas como o prazo para os suspeitos serem identificados por um juiz e não ouvidos, acabando os arguidos por ficar detidos durante vários dias sem qualquer medida de coação.
"Há regras e praxos fixados na lei. O Ministério Público cumpre-os e não vislumbro as razões das críticas que, às vezes, lhe são feitas. Porém, considero que a ideia de fixação perentória de um prazo desproporcionado compromete o esclarecimento e recolha de informação necessária à decisão judicial, com risco de violação dos princípios da necessidade e da proporcionalidade", defendeu.
Elogios a Lucília Gago
Considerado um magistrado trabalhador e discreto, Amadeu Guerra sobe a procurador-geral da República por entre exigências externas e internas para que o Ministério Público comunique mais e melhor com a sociedade. Este sábado, o magistrado garantiu que estará "sempre disponível para prestar contas no Parlamento", ao mesmo tempo que criticou o debate em torno de processos mais mediáticos.
"O Ministério Público precisa e quer desenvolver o seu trabalho - de forma empenhada e ao serviço da comunidade - sem o alarme mediático e discussão pública da sua atividade em processos concretos", alegou. O segredo da justiça é uma questões que pretende "revisitar", em busca de "soluções" que assegurem o "equilíbrio" entre os "direitos, liberdades e garantias" e o "direito à informação".
Na hora da saída de cena, ao fim de seis anos, de Lucília Gago, o antigo diretor do DCIAP deixou, de resto, elogios à sua antecessora, que, apesar de não ter tido "a sorte do seu lado", exerceu o cargo de procuradora-geral da República "com honestidade intelectual e de forma dedicada".
Num curto discurso, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, destacou igualmente as "condições particularmente difíceis", relacionadas com um "juízo coletivo muito crítico quanto ao tempo da Justiça", em que Lucília Gago, 68 anos, exerceu ao seu mandato. A Amadeu Guerra, que nomeou por proposta do primeiro-ministro, Luís Montenegro, pediu "unidade", "pacificação" e um "rumo claro", "com particular atenção à corrupção e demais criminalidade económico-financeira".