“O Governo pode definir orientações, mas o canal de comunicação teria de ser o diretor da PSP”
Paulo Santos, presidente do maior sindicato da PSP, critica gestão da campanha Portugal Sempre Seguro, em entrevista ao JN/TSF.
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Paulo Santos volta a candidatar-se, em lista única, à liderança do maior sindicato da PSP, a Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP). Em entrevista ao JN e à TSF, culpa sucessivos governos pelo surgimento do Movimento Zero e avisa que nas negociações iniciadas na semana passada com o Ministério da Administração Interna está em causa a sobrevivência da Polícia. Também pede um diretor nacional mais interventivo.
Continua a achar que o pior que pode acontecer aos polícias é serem instrumentalizados por movimentos inorgânicos como o Movimento Zero?
É necessário dar mote àquilo que é a nossa frase de campanha: “Consciencializar para melhor lutar”. O processo de luta só faz sentido se estivermos minimamente esclarecidos e soubermos o caminho trilhado e aquilo que é necessário no futuro. Quanto mais conscientes e informados os polícias estiverem, mais capacidade terão, de forma organizada e de cara livre e limpa, de continuarem a lutar. Esta é a nossa forma de estar no sindicalismo.
O sindicalismo é mais ameaçado por governos ou por essas dinâmicas associativas?
Houve governos que não deram a atenção devida aos problemas associados à segurança interna, dignificação das carreiras e motivação dos profissionais. Por isso, têm responsabilidade.
Há nestes movimentos aproveitamento político?
Não quero particularizar, mas a sociedade está muito complexa, há pessoas, estruturas e dinâmicas a misturar conceitos, e os polícias têm de compreender que, face ao xadrez que nos é apresentado, ou optamos por defender as nossas reivindicações com uma cara, uma estrutura já montada, ou iremos perder-nos em eventuais aproveitamentos de índole política ou social, que não serão de defesa integral dos profissionais da Polícia.
Teme a infiltração do Chega nos movimentos sindicais?
Não vou responder de forma que permita dar azo a algum tipo de especulação, porque os polícias são cidadãos que têm opções políticas, religiosas, clubísticas. Dir-me-á que há um discurso mais inflamado nas forças de segurança e eu diria que também o há no Parlamento, nas associações, no futebol. Não estou mandatado pelos polícias para fazer política partidária e nem tenho legitimidade para fazer qualquer consideração que identifique partidos políticos. A sociedade já está demasiado polarizada, nervosa, e, muitas vezes, isso leva-nos a apreciações redutoras para a importância da segurança interna e da ação sindical.
Iniciou-se uma nova ronda negocial com o Ministério da Administração Interna. O que esperar dessas reuniões?
Estas negociações existem porque houve um acordo, em julho, com o Governo. Alguns esquecem-se desse pormenor, mas já temos a questão do suplemento firmada em Orçamento do Estado para 2025. Vamos tentar agora dar seguimento ao que ficou estipulado, nomeadamente a indexação do suplemento a outro diploma legal que possa valorar mais essa componente, a questão dos salários, a dos suplementos e a das alterações ao estatuto profissional. Tenho dito à senhora ministra que esta negociação não pode ser encarada como uma questão reivindicativa socioprofissional. Está em causa, sim, a estabilidade e a sobrevivência da PSP.
Poderemos ter de novo os polícias a protestar na rua?
Sim. E a senhora ministra e o Governo sabem disso. A ASPP, enquanto sindicato responsável, quer ir para os processos negociais a fazer pressão para que tudo melhore, mas estamos numa perspetiva de investir tudo o que for possível para melhorar a vida das Polícias.
Nos últimos cinco anos, 550 elementos da PSP e GNR deixaram estas forças, a maioria para ingressar na PJ. É com novas regras de admissão como as anunciadas, e depois retiradas, que se trava este êxodo?
Até é contraproducente. Numa instituição envelhecida, não se pode aplicar medidas que ainda a vão envelhecer mais. Parece-me já desespero e tenho dúvidas de que tenha vindo da senhora ministra ou do Governo.
Veio de onde?
Presumo que da Direção Nacional da PSP, como, em 2022, a medida que alterou a idade máxima de admissão dos 27 para os 30 anos. E admito a legitimidade dessa proposta. É muito difícil a um diretor da Polícia, e aos comandantes, dar cumprimento às missões sem recursos. Tenho dito à senhora ministra que temos um problema grave na PSP: poucos candidatos para as necessidades e fuga de quadros, sejam oficiais, chefes e agentes. Este fenómeno sempre existiu, mas não com a dimensão de agora. Temos polícias com 59, 60 anos a ser bloqueados na sua pré-aposentação. Estas componentes estão a empurrar a PSP para a morte. E temos outro problema. Em 2025, os últimos elementos da PJ vão sair do controlo das fronteiras e dos estrangeiros. Não sei como é que a PSP vai dar conta de todas essas incumbências.
Preocupam-no mais as condições para ser polícia ou a falta de preparação para ser polícia?
A falta de condições para que os jovens queiram concorrer à PSP não compromete só o número de polícias, mas a qualidade dos que entram. Se tivermos 15 mil a concorrer a 900 vagas, faremos uma seleção mais fina.
Como é que vê o modelo de policiamento de proximidade?
Não é ter um polícia numa rua, isso é policiamento de visibilidade. O modelo que defendemos não tem existido, porque há cerca de 900 polícias dedicados à proximidade, mas muitas vezes estão a fazer outros serviços, porque não há recursos. A PSP tem de agir num quadro de interligação com a Segurança Social, as autarquias, porque a segurança não é um conceito fechado na própria segurança.
O modelo que defende inclui operações como a do Martim Moniz?
Não tenho legitimidade para falar de questões políticas, operacionais ou de planeamento operacional, mas sei que estas operações decorrem de uma diretiva de 2006. Operações daquelas já se realizaram muitas, muitas vezes, inclusive com o Ministério Público a autorizar e a acompanhar. Agora se a sociedade entende que aquelas revistas e um conjunto de indivíduos com as mãos na parede - que decorre da segurança dos operacionais e das pessoas revistadas - são incorretas, cabe ao poder político alterar as leis e a forma de fazer as operações. Aqui, sim, acho que tem havido instrumentalização por muitos setores, com outros propósitos que não o da segurança interna, que merece mais rigor e responsabilidade.
O Governo veio a público dizer que deu “orientação às forças e serviços de segurança no sentido de promoverem ações preventivas de fiscalização com visibilidade, tendo em vista o reforço da segurança no país”. Considera normal que o Governo defina a atividade operacional da PSP?
Aquilo que eu esperava era que o diretor nacional pudesse encabeçar a comunicação das operações que a PSP faz.
E não o fez?
Mais tarde. Parece-me [que seria] importante que o diretor assumisse a sua posição, falasse em nome da instituição e daquilo que é levado a cabo. O Governo pode definir as orientações políticas no âmbito da segurança interna, mas creio que o canal de comunicação teria de ser sempre o diretor da instituição.
Não assume esse papel por vontade própria ou porque não lhe está a ser dado espaço para assumir a liderança?
Objetivamente, não sei responder. Não sei se é uma postura do diretor nacional ou se é uma forma de não intervir porque outros o fazem.
A plataforma que juntou 11 sindicatos tem condições para ser reativada?
Neste momento, queremos avançar para um processo de forma individual, porque consideramos que houve alguns intervenientes que não estiveram à altura daquilo que deveria ser a sua responsabilidade.
Quer concretizar?
Preferiria não o fazer. Custou-nos muito assumir este compromisso com o Governo, mas fizemo-lo porque sabíamos que ia ser positivo para os polícias. Queremos continuar nesta perspetiva construtiva e apelar aos polícias que percebam que toda a nossa ação não tem outro propósito que não seja aquele de construir caminhos para beneficiar as condições de trabalho, sejam elas materializadas em salário, em suplementos, em condições de trabalho. É este o nosso propósito, não é uma questão de subserviência, nem de sobrevivência.
Um polícia com uma “bodycam” é um polícia diferente?
Eu preferiria que os polícias não tivessem necessidade de recorrer a um equipamento para mostrar a veracidade dos factos. Mas, ainda assim, conhecendo as alterações que foram processadas na nossa sociedade, a “bodycam” pode ser um instrumento importante para o polícia, para o cidadão e para a verdade dos factos. Agora não percebo é porque é que o processo ainda não avançou
As críticas feitas por polícias ao acordo sobre o subsídio de risco foram injustas?
As críticas não são injustas ou justas. As críticas são críticas e, muitas vezes, decorrem daquilo que é o conhecimento que os colegas têm. Uma coisa eu sei, estive hoje [na sexta-feira] no Comando de Lisboa e já estive em Leiria, Setúbal e Madeira, e alguns colegas já têm uma visão diferente daquilo que foi o acordo. Quando digo a um colega que o que está em causa não foi um incremento de 300 euros, mas algo mais alargado, ele facilmente tem uma ideia diferente. Atrevo-me a dizer que, passados estes meses, há mais polícias que apoiam a subscrição deste acordo que contra.
A ASPP perdeu associados por ter assinado o acordo?
Tivemos alguns sócios que saíram, mas também posso dizer que estamos a conquistar novamente os colegas, derivado, exatamente, daquilo que é a consciencialização que começam a ter.
Acredita que as saídas não foram motivadas pela assinatura do acordo, mas pelo contexto?
Tenho provas de que muitos saíram não por uma decisão pessoal, mas por outros terem, comprometendo ou subvertendo o acordo ou sonegando informação, tentado convencer os colegas a sair e para ir para outros sítios.
Quem fez isso?
Há vários sindicatos que o fizeram.