No ano passado, a GNR, a Polícia Marítima e a ASAE detiveram 54 pessoas, por captura e contrabando de meixão, e apreenderam 1259 quilos desta enguia bebé, que se destinavam, sobretudo, ao mercado asiático e valeriam aqui cerca de dez milhões de euros.
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Os números de detenções e apreensões nunca foram tão altos e acentuam a tendência de aumento dos últimos anos, que se deverá ao incremento da atividade criminosa e à maior atenção das autoridades, mas também às denúncias que estas têm recebido de intermediários do circuito do contrabando que perderam posição para os contrabandistas chineses.
A GNR é a força que mais detenções tem feito no contexto da fiscalização da pesca e do comércio, proibidos em Portugal desde 2001, da enguia-europeia. Em 2018, através do Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente (SEPNA) e da Unidade de Controlo Costeiro, bateu o recorde, com 35 detenções em flagrante delito. O que representa mais de metade do total de detidos nos cinco anos anteriores (59, de 2013 a 2017), segundo informa o major Ricardo Alves, a um mês do fecho da época do meixão, que vai de outubro a abril, e quando a Guarda já leva 18 detenções em 2019. As últimas nove foram feitas numa grande operação divulgada ontem (ver texto na página seguinte), de que resultou a apreensão de centenas de milhares de euros em dinheiro e mais de um milhão de euros em meixão que foi devolvido ao seu habitat.
Quanto a apreensões de bebés da enguia-europeia - espécie em risco e abrangida pela Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção, na União Europeia -, a ASAE apresenta o melhor balanço anual de sempre, com 800 quilos. Uma cifra que integra aquela que foi também a maior apreensão alguma vez feita em Portugal: os 590 quilos caçados a um grupo asiático, em Aveiro, que estavam em vias de seguir para a China, em malas de viagem com um aspeto exterior normal, mas adaptadas para o efeito.
Já a Polícia Marítima, entre 2013 e 2017, recuperou cerca de 400 quilos de meixão, mas fez as duas primeiras detenções apenas no ano passado, em que apreendeu 300 quilos. E a ASAE também só começou a deter suspeitos há dois anos, tendo registado 11 em 2017 e 17 em 2018.
Guerra entre contrabandistas
A Autoridade Marítima Nacional reporta a evolução deste fenómeno criminal constatando que, "desde a safra de outubro de 2016 a abril de 2017, a investigação colheu indícios claros do aumento do número de redes para a captura do meixão fundeadas nos rios nacionais, em resultado do aumento do valor pago no tráfico de meixão (ultrapassou os 500 euros)", que tem gerado uma "drástica diminuição de meixão".
Na direção do SEPNA/GNR, Ricardo Alves também escutou "um tocar dos sinos, da comunidade científica, sobre a população de meixão". Mas o administrador da empresa de aquacultura Findfresh, Paulo Vaz, avança outra explicação para a melhoria dos resultados operacionais das autoridades. "Há uma guerra no mercado negro, porque os asiáticos estão a ir diretamente ao rio", conta, explicando que esta ofensiva, para comprar o meixão diretamente aos pescadores, tem posto fora de jogo alguns intermediários, que, alegadamente, se vêm vingando.
Questionado sobre aquela explicação, o major Ricardo Alves reconhece que "é mais frequente do que antigamente" os elementos das redes asiáticas irem comprar ao meixão ao rio. Mas isso originou mais denúncias e melhorou os resultados operacionais das autoridades? "Quando aparecem novos "players", é provável que os outros tentem neutralizá-los. É bastante frutuoso apoiar as nossas investigações nesse tipo de informação", responde.
Ligações ao crime organizado
Além da tentativa das redes chinesas de aumentarem o seu espaço no circuito do contrabando do meixão, foi observada uma outra mudança nos últimos tempos. Segundo apurou o JN, as autoridades também vêm recolhendo indícios de que os contrabandistas passaram a utilizar também as redes logísticas do crime organizado ligado ao tráfico de droga, de tabaco e de pessoas. Essa sinergia tem-se notado, sobretudo, ao nível das estruturas de transporte, feito por rotas já usadas para outros crimes, mas também, por exemplo, na utilização, paga, de locais de armazenamento e de meios humanos das mesmas redes criminosas.
O NEGÓCIO
Valor de mercado
As autoridades vêm atribuindo um valor de 7500 a dez mil euros ao quilo de meixão no mercado asiático. Há três espécies, o europeu, o americano e o japonês. Nesta última, um quilo contém cerca de dez mil indivíduos, contra três ou quatro mil do europeu.
Preço no pescador
É comum apontar-se para cerca de 500 euros/kg, quanto ao preço cobrado pelos pescadores. Mas aquele valor já inclui uma ou duas comissões cobradas por intermediários.
Engorda na China
Em Espanha, comem-se dez a 12 toneladas de meixão na época de Natal. O destino do que segue para a Ásia é, maioritariamente, a engorda. As enguias adultas são muito apreciadas, tal como em Portugal, embora a preços bem mais baixos. Nalguns casos, as enguias bebés são largadas em arrozais, onde crescem e eliminam pragas. A Europol estima que, na Ásia, o meixão valha dez vezes mais ao fim de um ano, sendo exportado para o Japão pelo seu alto valor gastronómico.
