O procurador-geral da República, Amadeu Guerra, defendeu que, nos casos de violência doméstica, devem ser feitas mais diligências e interrogados todas as pessoas envolvidas para obter o máximo de prova que permita, no fim, condenar o agressor.
Corpo do artigo
Qual a razão para o procurador-geral da República ter feito estas declarações?
As declarações de Amadeu Guerra surgem após a publicação de um relatório de peritos no combate à violência doméstica do Conselho da Europa (GREVIO, na sigla inglesa) que refere que os procuradores portugueses “têm tendência para promover a suspensão dos processos penais contra os autores dos crimes, o que resulta na ausência de condenação”. Embora saliente que “Portugal fez significativos progressos na adoção de medidas para combater a violência contra as mulheres”, os peritos europeus alertam, no entanto, para a “tendência generalizada entre o poder judicial de atribuir grande importância à proteção da família como um todo, incluindo as famílias marcadas pela violência, em detrimento dos direitos e interesses das mulheres vítimas e dos seus filhos”.
Há casos recentes que sustentem a crítica dos peritos europeus aos procuradores portugueses?
Sim. Em fevereiro deste ano, a mulher do presidente da Câmara de Vizela, Vítor Hugo Salgado, foi ao Hospital de Guimarães, tendo-lhe sido diagnosticada uma fratura no nariz, entre outras lesões. A PSP recebeu uma queixa por violência doméstica, mas a vítima, já perante o Ministério Público, não quis depor. E a procuradora titular do inquérito optou pelo seu arquivamento. “Devido à inexistência de indícios do crime de violência doméstica” e “a fim de se assegurar a paz social e a tranquilidade no seio da família”, justificou.
Como reagiu o procurador-geral da República a este arquivamento?
Amadeu Guerra afirmou que o inquérito sobre violência doméstica que envolve o presidente da Câmara de Vizela poderia ser reaberto, porque ainda se encontra dentro do prazo “para a intervenção hierárquica” do Ministério Público. “Os superiores hierárquicos estão a analisar o despacho de arquivamento, e dentro do prazo da intervenção hierárquica, que são 20 dias sobre o despacho e a respetiva notificação, têm possibilidade de tomar uma posição relativamente a isto, nomeadamente de mandar fazer outras diligências que entendam que devem ser feitas”, sublinhou.
É necessário que a vítima apresente queixa para que um crime de violência doméstica seja investigado?
Não. A violência doméstica é um crime público, o que significa que o procedimento criminal não está dependente da apresentação de uma queixa, formal ou informal, por parte da vítima, sendo apenas necessário haver uma denúncia por parte de qualquer pessoa ou o conhecimento do crime, para que o Ministério Público promova o processo.
Se a vítima apresentar queixa pode, posteriormente, desistir do procedimento criminal?
Pode. Mas essa decisão não determina o arquivamento do processo, ao contrário do que acontece, por exemplo, num crime de furto, dano ou ofensa à integridade física simples. Mesmo que a vítima não queira, o Ministério Público tem a obrigatoriedade de continuar a investigação e recolher toda a prova disponível da agressão.
Quantas vítimas mortais resultaram, este ano, de casos de violência doméstica?
Amadeu Guerra revelou que, “este ano”, há “uma taxa inferior ao ano passado” no que respeita ao número de mortos em contexto de violência doméstica. “São sete ou oito pessoas, um dos casos ainda não sabemos bem se efetivamente é violência doméstica. No ano passado tivemos 22 homicídios”, destacou, na entrevista à Rádio Renascença.