A colocação de um joelho no pescoço durante nove minutos para imobilizar um homem, como aconteceu em maio no caso que provocou a morte de George Floyd, em Minneapolis, Estados Unidos da América (EUA), ou o arrastamento pelos cabelos de uma manifestante, semelhante ao que sucedeu a uma enfermeira em Paris, França, são usos de técnicas de controlo e restrição proibidos às forças de segurança portuguesas.
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Agentes da PSP ou militares da GNR estão igualmente impedidos de disparar balas reais em direção a um fugitivo, mesmo que este, como fez Rayshard Brooks, o americano morto por um polícia de Atlanta há pouco mais de um a semana, tenha roubado uma arma elétrica ao elemento policial.
César Nogueira, presidente da Associação dos Profissionais da Guarda, refere que "nunca os militares receberam formação para colocar o joelho no pescoço de um indivíduo para o imobilizar". "Em casos em que seja necessário recorrer a essa técnica, o joelho coloca-se no tronco", descreve o dirigente, que diz ainda que a manobra conhecida por "mata-leão" (braços envolvendo e apertando o pescoço do adversário até este desmaiar) não integra o manual da GNR.
Na PSP a tolerância a técnicas "agressivas" é maior. Paulo Rodrigues, líder da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia, explica que o "mata-leão" e a colocação de um joelho no pescoço de um suspeito no chão são permitidos, mas, apenas em situações excecionais. "São técnicas transversais a quase todos os países do mundo. Se não houver alternativa é possível, mas nunca durante nove minutos, como aconteceu nos EUA. O objetivo é algemar o indivíduo e quanto mais rápido isso for feito melhor. Depois, não há razão nenhuma para manter a manobra", declara.
Aliás, o episódio de um polícia a apertar o pescoço e a agarrar os cabelos, durante sete minutos, de Cláudia Simões, na Amadora, em janeiro deste ano, deu origem a uma investigação do Ministério Público que, confirmou o JN, ainda não foi concluída.
Evitar algemar mulheres
A Direção Nacional (DN) da PSP frisa que "o objetivo das técnicas de interpelação será o controlo da situação segundo o princípio da mínima força com a máxima eficácia" e salienta que "qualquer técnica, por mais simples e inócua que se afigure, se não cumprir estes parâmetros será, por regra, proibida". Ou seja, é o tipo de situação e a atitude do suspeito que vão definir a manobra de imobilização, sendo certo que quanto mais perigoso for o cenário, mais violenta será a ação policial.
O uso da força está definido em vários diplomas legais, mas, na PSP, é a Norma de Execução Permanente que melhor estipula o que pode e não pode ser efetuado. Nesse manual, distribuído a todos os agentes e consultado pelo JN, as regras impõem que as técnicas de controlo e restrição (agarrar do braço; torção do pulso e dedos; pressão de pontos sensíveis do corpo) devem ser aplicadas de forma progressiva e que é proibido atingir uma pessoa se esta não estiver de pé. Proibida é, também, a utilização da força após o alvo estar com algemas. Menores, mulheres, idosos e deficientes também não devem, por norma, ser algemados.
Aplicação mínima da força
"O uso de qualquer meio coercivo observará sempre uma escalada nos níveis de força, que terá de ser adequada à ocorrência e ao grau de ameaça, ou seja, ao nível de perigo concreto criado pelo comportamento da pessoa visada", resume a DN da PSP.
Na GNR, as regras de atuação estão plasmadas em, pelo menos, quatro manuais. E todos também obrigam à aplicação mínima da força, o que implica, por exemplo, que sejam evitadas todas as técnicas de impacto e controlo do pescoço, como o "mata-leão" ou a colocação do joelho no pescoço. Nesses documentos, que o JN também leu, são autorizadas as manobras para controlar o antebraço e tríceps, assim como a chave ao ombro e a pressão nas costas. Já as pancadas dadas com o bastão devem atingir os músculos das pernas e braços. Também podem atingir a zona muscular do peito e as articulações dos membros inferiores e superiores se o visado mantiver uma postura violenta.
Processos disciplinares às forças de segurança estão a aumentar
O último relatório da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) revela que, em 2018, registou-se "o maior número de processos de natureza disciplinar - três processos de averiguações, 18 inquéritos e 41 disciplinares - instaurados nos últimos anos" a elementos das forças de segurança. "É nos processos disciplinares que se verifica uma diferença muito elevada: mais 25 processos em 2018 do que no ano anterior. Positivamente, regista-se o facto de não ter havido o registo de qualquer cidadão morto na sequência de ação das forças de segurança", lê-se no documento.