A procuradora-geral da República, Lucília Gago, deverá ser desafiada, na reunião de hoje do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), a revogar ou suspender os efeitos da controversa diretiva que, dia 4 deste mês, veio conferir amplos poderes de intervenção às hierarquias desta magistratura e permitir-lhes que as suas ordens e instruções não fiquem a constar nos processos.
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A diretiva foi emitida com base num parecer aprovado, em 30 de janeiro, pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República. O facto de Lucília Gago a ter emitido sem sujeitar o parecer a discussão prévia no CSMP também deverá custar-lhe algumas críticas no plenário desta terça-feira.
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"O que parece resultar dos factos é que o Conselho Superior estava na expectativa de discutir o parecer", comenta o presidente do Sindicato dos Magistrados do MP, António Ventinhas, lembrando que foi aquele órgão que, no plenário de 29 de outubro, desencadeou o debate sobre os limites das intervenções hierárquicas e, face à divergência de posições, propôs à procuradora-geral que submetesse o tema à apreciação do Conselho Consultivo. "O debate ficou a meio", diz.
A diretiva determinou a aplicação da doutrina do parecer e foi emitida dois dias antes de o sindicato apresentar o seu próprio parecer, que foi encomendado ao catedrático Luís Fábrica e vai em sentido contrário, consagrando mais autonomia interna aos magistrados. O sindicato também prometeu impugnar a diretiva de Gago junto do Supremo Tribunal Administrativo, num sinal de divisão e confronto como já não se via desde Pinto Monteiro.
Gago não está isolada
Os poderes hierárquicos no Ministério Público não constam da agenda de hoje, mas quatro conselheiros eleitos pelos magistrados - Carlos Teixeira, Alexandra Chícharo das Neves, David Aguilar e André Namora - já solicitaram o seu debate. E haverá outros interessados, pelo que Lucília Gago dificilmente conseguirá escapar-lhe.
Várias fontes indicaram, ao JN, que deverão ser apresentadas propostas para levar a procuradora-geral da República a recuar, ao menos suspendendo os efeitos da diretiva, até o Supremo se pronunciar sobre a legalidade da mesma. Mas Lucília Gago tem legitimidade formal para não ceder. E, de resto, não estará isolada, entre os outros 17 membros do Conselho Superior. Deverá contar com apoio, pelo menos, dos quatro procuradores-gerais regionais, da catedrática Maria João Antunes (designada para o órgão pela ministra da Justiça, Francisca Van Dunem) e de alguns dos quatro membros da Secção Permanente
Origem em Tancos
O atual debate sobre os limites das intervenções hierárquicas na magistratura do Ministério Público teve origem na decisão do diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) de impedir os dois procuradores titulares do caso Tancos, por despacho que ficou fora do processo, de inquirirem o primeiro-ministro e o presidente da República.
Ordens são recusáveis
O parecer do Conselho Consultivo (relatado por Conde Correia e aprovado em votação que a PGR não esclareceu como foi) dá cobertura à intervenção do diretor do DCIAP em toda a linha, ressalvando que os procuradores mantêm sempre autonomia para recusar ordens que objetem a sua consciência jurídica ou que sejam ilegais.