Antigo magistrado que vai ser julgado no Tribunal de São João Novo, com outros nove arguidos, garante que captação de som no seu carro foi ilegal.
Corpo do artigo
Hélder Claro, expulso da magistratura judicial em abril 2024, acusa a PJ e o Ministério Público de terem atuado à margem da lei ao colocarem um microfone no seu Mercedes. As autoridades queriam ouvir as conversas que o suspeito mantinha no interior do carro, nomeadamente através da rede encriptada WhatsApp. Na contestação enviada ao Tribunal do Porto, onde será julgado com outros nove arguidos por corrupção no setor privado, associação criminosa e auxílio e angariação de mão de obra ilegal, Claro garante que a prova recolhida com o micro é nula.
Considerado como o principal arguido, o ex-juiz alega ter sido vítima da criação “artificial de um novo processo”, por este inquérito ter nascido de uma investigação por branqueamento que, quanto a este crime, foi arquivada por uma juíza de instrução do Tribunal da Relação. Hélder Claro garante que a investigação “inventou” um crime de corrupção para poder criar um novo processo e assim afastar aquela desembargadora. Para acompanhar o processo, foi sorteado outro magistrado da Relação, que autorizou novas escutas. O ex-juiz aponta ali uma nulidade insanável, por violação do princípio do juiz natural.
Foi já no novo processo que a PJ propôs a realização de escutas com captação de som e imagem do juiz e de outros arguidos. O “novo” juiz de instrução concordou e os inspetores da luta contra corrupção colocaram um micro no tablier Mercedes C300 Limousine de Hélder Claro, para, durante semanas, recolher indícios de corrupção, que suportariam a acusação.
Levou carro à oficina
Em abril de 2023, apareceu um sinal de avaria no display do carro, recomendando a imobilização imediata do veículo e a sua urgente reparação. Claro dirigiu-se a uma oficina, onde foi detetado que, mesmo desligado, o veículo apresentava atividade elétrica.
“Os serviços técnicos da oficina constataram a existência de um aparelho colocado no interior (por detrás) do tablier do veículo”, escreveu, na contestação, o ex-juiz, que fotografou o dispositivo e ordenou a sua remoção, para o guardar na mala. Em junho do mesmo ano, Claro foi alvo de busca e o micro foi recolhido pela PJ.
Sobre este dispositivo, o antigo juiz garante não existir no processo qualquer auto elaborado pela PJ “respeitante à data, hora, local e método usado e respeitante à colocação do aparelho de registo e captura de som no interior do veículo”, o que considera ser ilegal. Também garante que a instalação do micro foi feita à margem da lei por não ter sido precedida de “expressa ordem ou autorização do juiz de instrução”. Para Claro, a autorização dada pelo juiz de instrução para a captação de som e imagem deveria ter sido específica e fundamentada.
“Num Estado de Direito, os cidadãos não podem ser controlados secreta e remotamente pela polícia”, remata o ex-juiz na contestação.
Acusados de pagar luvas e trazer bailarinas
O ex-juiz Hélder Claro e o seu parceiro Carlos Moura Guedes, dono da imobiliária Imopartner, foram acusados, em julho de 2024, de ter ganhado perto de um milhão de euros em dois negócios imobiliários com a marca de supermercados Aldi. Conseguiram-no, diz o Ministério Público do Porto, após corromperem um prospetor de mercado da empresa alemã, também arguido. Segundo a acusação, apesar de ser juiz, Claro prestava assessoria jurídica e fazia intermediação imobiliária para a Imopartner. Em troca, receberia de Moura Guedes uma comissão ou até metade das mais-valias. Claro também enfrenta uma acusação de auxílio à emigração ilegal e angariação de mão de obra ilegal. Frequentador do bar Tamariz, o então juiz, com ajuda de uma amiga no Brasil, terá organizado a vinda de oito bailarinas para trabalharem, de modo ilegal, no estabelecimento de alterne do Porto.