Polícia absolvido de espancar Cláudia Simões e condenado por agredir outras duas pessoas
O Tribunal de Sintra absolveu, esta segunda-feira, o agente da PSP acusado de, em 2020, ter espancado Cláudia Simões num carro-patrulha, na Amadora. Carlos Canha foi em contrapartida condenado por ter agredido na esquadra outras duas pessoas, detidas sem motivo. Já a luso-angolana foi punida por ter mordido o polícia.
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Carlos Canha foi condenado a uma pena suspensa de três anos por dois crimes de sequestro e dois de ofensa à integridade física qualificada, enquanto Cláudia Simões foi sentenciada a oito meses de prisão, igualmente suspensos na sua execução, por um crime de ofensa à integridade física qualificada.
Na leitura do acórdão, a presidente do coletivo de juízes, Catarina Pires, considerou que os ferimentos sofridos pela lusa-angolana resultaram do "modo" como esta "resistiu à detenção", feita "legitimamente" pelo agente da PSP. "O arguido Carlos Canha não atuou com qualquer motivação racista. [...] Atuou como se impunha, usando os meios estritamentes necessários para tal", afirmou a magistrada.
Cláudia Simões, que contou com a presença em seu apoio de cerca de 40 ativistas antirracistas em tribunal, e Carlos Canha vão recorrer da decisão.
No processo, eram ainda arguidos mais dois polícias, por terem ignorado as alegadas agressões dentro do carro-patrulha, e que, esta segunda-feira, foram absolvidos de todos os crimes imputados.
O caso remonta à noite de 19 de janeiro de 2020, quando Cláudia Simões, hoje com 46 anos, foi detida depois de a filha, então com sete anos, se ter esquecido do passe do autocarro. O motorista da então Vimeca terá, nessa altura, chamada a atenção da luso-angolana, tendo esta, no entender do Tribunal Criminal de Sintra, lançado "uma ameaça velada, mas não muito velada" de que aquele precisaria de "uma surra". Já no destino, no Bairro do Bosque, o condutor pediu a Carlos Canha para identificar a passageira.
De acordo com os factos dados como provados, Cláudia Simões terá negado a existência de qualquer ameaça. O agente, que quando foi abordado pelo motorista estava fora de serviço mas ainda com a t-shirt da farda, terá insistido para que a luso-angolana se identificasse, o que esta negou. Nessa altura, terá começado a empurrar Carlos Canha. A determinada altura, caíram ambos ao chão e a mulher mordeu o polícia. No julgamento, a arguida alegou que, se não o tivesse feito, "morria", mas, para o tribunal, a sua única intenção foi furtar-se à responsabilidade pelo sucedido no autocarro.
Os últimos momentos da detenção foram gravados por um popular e partilhados nas redes sociais. O vídeo originou, em 2020, acusações de violência policial com caráter racista - um entendimento, validado pelo Ministério Público no final do inquérito, que foi, tal como pedira a procuradora do julgamento, agora rejeitado pelo coletivo de juízes.
Esta segunda-feira, Catarina Pires defendeu que, ao dizer na gravação em causa que o polícia lhe estava "a furar um olho", Cláudia Simões quis passar-se por "vítima" e, beneficiando da "atitude preconceituosa da generalidade" dos presentes, convencê-los de que se tratava de um caso de "violência policial contra uma senhora africana". "Ninguém fez mal a Cláudia Simões", salientou a juíza.
O Tribunal Criminal de Sintra sustentou, ainda, que não existiu qualquer agressão no carro-patrulha, no qual a luso-angolana foi transportada até à esquadra. Além desta, seguiam no veículo, Carlos Canha, hoje com 48 anos, e os restantes polícias agora absolvidos por terem ignorado o presumível espancamento: João Gouveira e Fernando Rodrigues, atualmente com cerca de 30 anos.
Uma das queixas de Cláudia Simões era que o cabelo lhe tinha chegado a ser arrancado pelo agente mais experiente, mas, esta segunda-feira, a juíza-presidente atribuiu o facto de este não ter voltado a crescer ao "uso constante" pela arguida de "penteados de contração".
Deu socos quando "descomprimiu"
Certo é que, por entre confusão e segundo o tribunal, Carlos Canha acabou por ordenar a outros colegas ausentes do processo - e que, tal como João Gouveia e Fernando Rodrigues, foram chamados ao local após o início da interação com Cláudia Simões - que dois homens que presenciaram os factos fossem "conduzidos algemados à esquadra sem que algo o justificasse".
"Mesmo antes da sua algemagem, nada havia que justificasse aquela ordem. Sendo testemunhas, deveriam ter sido notificadas para comparecer", frisou Catarina Pires. Os dois homens terão sido depois, já na esquadra, agredidos a soco pelo próprio Carlos Canha. "Quando descomprimiu, acabou por ser impulsivo e fazer de saco quem nunca devia tê-lo feito", apontou a juíza-presidente, para quem a ação do arguido denota "especial censurabilidade" por ter "atuado com grave abuso de autoridade".
Além de dois crimes de sequestro e ofensa à integridade física qualificada por estes factos, Carlos Canha, que não ficou impedido de exercer funções, fica simultaneamente obrigado a indemnizar um dos ofendidos em 3500 euros.
No final da sessão, Catarina Pires insistiu, diringindo-se diretamente a Carlos Canha e a Cláudia Simões, que "há questões que são gravíssimas na sociedade", mas que "o racismo não teve nada a ver com a situação". "Os senhores arguidos bem sabem que não teve nada a ver com racismo", reiterou.
As palavras levaram alguns dos ativistas antirracistas a abandonar a sala de audiências. "Punho em riste, Cláudia resiste" e "Justiça racista não é justiça" foram algumas das palavras de ordem que gritaram, minutos depois, no exterior do Tribunal de Sintra. "A vítima não pode ser transformada em culpada. Embora cansados, anunciamos que recorreremos desta sentença, pela minha mãe e por todas as pessoas que já estiveram ou possam estar a passar pela mesma situação", reagiu à saída, em lágrimas, uma filha mais velha de Cláudia Simões. Nem esta nem Carlos Canha quiseram prestar declarações aos jornalistas.