Polícias julgados por coagir prostitutas a mando de dona de “casas de massagens”
Um dos PSP namorava com gerente dos SPA e outro recebia serviços sexuais grátis. Onze arguidos foram pronunciados por ameaças, abuso de poder e lenocínio.
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Era conhecida como “Mona Lisa” e geria, de mão de ferro, casas de prostituição que funcionavam 24 horas por dia no centro de Lisboa, na Parede e em Boliqueime, no Algarve, onde os clientes tinham acesso a bebidas alcoólicas, droga e até Viagra. Para intimidar as mulheres que contestavam a sua autoridade ou se recusavam a trabalhar, “Mona Lisa” contava com a ajuda de dois PSP, afetos à Polícia Municipal de Lisboa. Um deles namorava com a proxeneta e o outro beneficiava de serviços sexuais grátis. Anteontem, um juiz de instrução criminal decidiu levar estes e outros oito arguidos a julgamento.
A gerente dos prostíbulos, Hérica D., e os polícias, Joel L. e Jorge H, ambos agentes principais, assim como os outros arguidos que eram funcionários de “Mona Lisa”, foram acusados pelo Ministério Público (MP) de tráfico de pessoas, além de outros crimes. Mas durante a instrução, não ficou demonstrado que as prostitutas fosse vítima de tráfico de seres humanos. Porém, o juiz de instrução criminal deixou cair esse crime, mas pronunciou os arguidos por auxílio à prostituição (lenocínio), abuso de poder, ameaças, furto e dano, além de falsificação de documentos.
O esquema da “Mona Lisa” começou em junho de 2020. De acordo com o MP, a mulher criou o “Teilla SPA” (Baixa-Chiado), o “Powerful SPA”, em Lisboa, onde também abriu um apartamento no Campo Pequeno. Também geria o “SPA Sete Saias”, na Parede e o “Nuriah SPA”, em Boliqueime. Em cada um dos locais trabalhavam diariamente quatro a seis mulheres, que “Mona Lisa” angariava quer em Portugal, quer no Brasil, através de amigos em comum. A principal arguida custeava as despesas das viagens das brasileiras que ficavam assim em dívida. As vítimas tinham que trabalhar nas casas para a reembolsar e ficavam sob o domínio de “Mona Lisa”. Muitas estavam em situação ilegal e a proxeneta ficava com os documentos até ser reembolsada. As mulheres tinham que entregar 50% do dinheiro que recebiam dos clientes ou então tinham de pagar uma renda.
Quartos sem janela
Segundo a acusação, a arguida obrigava muitas das mulheres a ficar 24 horas nos estabelecimentos, sem janela ou ar condicionado. Também não podia recusar nenhum cliente sob pena de serem mandadas para a rua. “As meninas novas que chegavam do Brasil acabavam por ser enganadas e eram obrigadas a ficar no interior do estabelecimento 24 horas, e a trabalhar durante todo esse período”.
Era quando as mulheres se revoltavam que entrariam em cena os dois polícias, que apareciam nos SPA fardados para serem vistos pelas vítimas. “As deslocações dos arguidos devidamente fardados com o uniforme da Polícia Municipal tinham como propósito, intimidar e obrigar as mulheres que ali prestavam serviços sexuais de relevo sob orientações da arguida Hérica D. para que tais mulheres cumprissem as ordens e orientações”.
Um dos polícias emprestou a arma de serviço à “Mona Lisa” para que esta ameaçasse o namorado de uma das prostitutas.
Advogado critica decisão do magistrado
Contactado pelo JN, Lopes Guerreiro, advogado dos dois polícias que estão em prisão domiciliária, critica a decisão do juiz de instrução criminal, Jorge Bernardes de Melo, o mesmo magistrado que ficou conhecido por ter libertado os arguidos do caso de corrupção da Madeira, após 21 dias de detenção. “Esta decisão instrutória no segmento em que pronuncia os meus clientes para julgamento, pese embora a despronúncia pelos crimes de tráficos de pessoas, envergonha a Justiça e tudo o que ela representa”, afirma. O advogado não compreende porque o “juiz descurou por completo quer os vícios que o processo e a prova padecem, quer a apreciação em concreto de cada um dos indícios e prova, que inexiste, e lhe foram objectivamente dados a conhecer”, disse Lopes Guerreiro para quem “urge, com celeridade e profunda forma, repensar quer o acesso à judicatura, quer a formação profissional dos juízes em Portugal de modo a evitar que decisões judiciais deste nível ocorram e cidadãos de lastro existencial imaculado e profissional irrepreensível, como os meus constituintes, se vejam enleados e enlameados em processos e decisões judiciais como esta". Na mesma declaração ao JN, Lopes Guerreiro espera que, "por força da dinâmica processual", na fase de julgamento em Lisboa, seja "reposta a Justiça no seu patamar e absolvidos os meus clientes dos restantes crimes".
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Prisão preventiva
A principal arguida, Hérica D., conhecida como “Mona Lisa” está em prisão preventiva, na cadeia de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos, desde outubro do ano passado, após ter sido detidas por elementos da Divisão de Investigação Criminal da PSP.
Anúncios na net
Para recrutar mulheres em Portugal e também para angariar clientes, a mulher colocava anúncios em sites especializados na Internet.
MP quer expulsão
O Ministério Público requer que os dois polícias sejam expulsos da PSP, em caso de condenação.