Tribunais aceitaram impugnações de empresários arguidos que estão a ser julgados pelo Tribunal da Feira.
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Depois de mais de dois anos de julgamento de cerca de 130 arguidos, entre pessoas singulares e empresas do setor da cortiça acusados de crimes de fraude fiscal, além de três que respondem por crimes de falsidade informática, o processo pode vir a sofrer um forte revés nas pretensões do Ministério Público (MP) que, nas alegações finais, pediu a condenação dos arguidos. Em causa estão mais de 25 milhões de euros.
A reviravolta tornou-se possível depois de tribunais administrativos e fiscais terem julgado procedentes impugnações sobre a forma como a liquidação do IVA sob suspeita foi efetuada pelo Estado. As impugnações foram apresentadas pelos arguidos que o MP considera terem sido os grandes utilizadores e beneficiários do esquema de faturação falsa.
Tal decisão irá ter influência no julgamento, que já tinha sentença marcada para o dia 31 de maio, no Europarque, em Santa Maria da Feira, uma vez que, não havendo infração fiscal, poderá deixar de haver crime.
Assim, a juíza presidente do coletivo já fez um despacho no sentido de reabrir a audiência de julgamento em data ainda a anunciar, para que o tribunal analise as implicações destas decisões dos tribunais administrativos e fiscais. Com a reabertura da audiência, poderá ser produzida nova prova e apresentadas novas alegações.
Ministério Público pediu condenação
No limite, este desenvolvimento poderá resultar na absolvição de muitos dos empresários arguidos. Já os restantes implicados, cuja participação no esquema terá acontecido em menor escala, segundo o MP, poderão vir a ser condenados por não terem argumentos adicionais para apresentar no julgamento.
A 16 de novembro de 2022, aquando do início das alegações finais em tribunal, o MP tinha pedido a condenação dos empresários corticeiros, tendo dado como provada a compra de faturas fictícias, a troco de recompensas pecuniárias, a outros arguidos que as vendiam em nome de firmas de fachada e sem atividade real. Apenas em relação a um dos arguidos o MP admitiu ser possível "conceder o benefício da dúvida" e absolvê-lo.
Empresas sem atividade
Na ocasião, o procurador da República referiu que muitas destas empresas não tinham empregados, máquinas ou viaturas e a sua sede estava em locais que não eram compatíveis com o exercício da atividade.
O MP requereu ainda que seja declarada perdida a favor do Estado a quantia de 25,7 milhões de euros que correspondem à vantagem patrimonial alegadamente obtida pelos arguidos com a prática do crime.
Nas alegações finais, o procurador também criticou os megaprocessos, mas justificou que, neste caso, só com a junção de todos estes implicados era possível "dar a conhecer todo este esquema". Desta forma, considerou, "vai ser extremamente difícil para o tribunal trabalhar toda esta prova", embora não tenha dúvidas de que "teria mesmo de ser assim".
Processo chegou a ter 169 arguidos
O Ministério Público começou por acusar um total de 169 arguidos. Seis não foram pronunciados para julgamento pelo juiz de instrução criminal, por alguns ou pela totalidade dos crimes de que estavam acusados. No decurso do inquérito já tinha sido igualmente determinada a suspensão total ou parcial dos autos com instauração de processos autónomos, relativamente a vários arguidos. Já durante o desenrolar do julgamento, alguns arguidos morreram e foi ainda declarado extinto o procedimento criminal relativo a várias sociedades entretanto dissolvidas e liquidadas.
Pormenores
Esquema de faturas falsas
Segundo a acusação do Ministério Público, o processo que está a ser julgado no Tribunal de Santa Maria da Feira diz respeito a um esquema de faturas falsas que terá funcionado entre 2010 e 2016. O objetivo seria obter vantagens fiscais indevidas em sede de IVA e IRC, anulando ou reduzindo o valor do imposto a entregar ao Estado.
Julgamento no Europarque
O processo começou a ser julgado em julho de 2019. O Europarque foi o local escolhido para as sessões de julgamento devido ao elevado número de arguidos e advogados.